Folha de S.Paulo

É coisa nossa

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RIO DE JANEIRO - Do vasto repertório em torno de Ary Barroso e sua língua sem papas, consta o dia em que o compositor resolveu cortar o cabelo. O barbeiro, desmanchan­dose em gentileza, perguntou: “Como o doutor quer o corte?”. “Calado”, respondeu Ary.

Michel Temer ou não conhece a anedota, ou não confia na sabedoria do autor de “Aquarela do Brasil”. O presidente —cujo topete revolto faz a delícia dos fotógrafos— deu um pulo no salão do cabeleirei­ro Jassa, um dos mais badalados de São Paulo. Entre uma tesourada e outra, Temer manteve uma conversa animada e lamentou as “mentiras” envolvendo a reforma da Previdênci­a. Ouviu o conselho de Jassa para procurar o apresentad­or Ratinho. Este foi direto ao dono do baú da felicidade.

Silvio Santos já começou a bajulação em defesa do projeto. Não chega a ser uma novidade na política brasileira. Desde seus tempos de camelô, vendendo bugigangas nas ruas do Rio, o empresário ficou ao lado de todos os governos. Durante o regime militar, cantou que “o Figueiredo é coisa nossa” e ganhou um canal de TV. FHC e Lula estiveram em seu programa de auditório, conversand­o com “as colegas de trabalho”.

Nos intervalos do SBT, o clima da propaganda é de puro terror: “Você sabe que se não for feita a reforma da Previdênci­a, você pode deixar de receber o seu salário?”. Pensar que, um ano atrás, a emissora decidiu não transmitir ao vivo o impeachmen­t de Dilma. E se deu bem na briga pelo espetáculo mais dantesco daquele domingo: sua programaçã­o normal disparou no ibope.

Pena que Aracy de Almeida, que por uma eternidade trabalhou como jurada no programa de Silvio Santos, não esteja viva. Como Ary Barroso, Araca não gostava de papo furado no barbeiro. Perguntada pela mudança na Previdênci­a, ela poderia dar o veredicto: “Vai levar dez mangos, mas só pela cara de pau”. NABIL BONDUKI

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