O QUE RESTOU DOS TRILHOS
Abandono marca antigas estações ferroviárias que ajudaram a desenvolver interior de São Paulo
Construída há 140 anos, a estação ferroviária de Cordeirópolis (SP), uma das mais antigas do Estado, não lembra nada o que já foi um dia. Fechada, com o telhado destruído e sinais de ferrugem, conserva dos áureos tempos ferroviários apenas os trilhos —que, no entanto, não transportam mais passageiros.
O cenário na estação e em seu entorno é igual ao de outras cidades que no passado se desenvolveram economicamente a partir das ferrovias, especialmente entre as décadas finais do século 19 e as primeiras do século passado.
A Folha percorreu mais de 1.500 km em rodovias e estradas de terra e constatou o abandono de antigas estações ferroviárias que foram importantes para o desenvolvimento do interior paulista.
Esse cenário de abandono é registrado num momento em que o Estado anuncia o projeto de uma linha de trem de passageiros e carga que ligará São Paulo a Campinas e Americana, além de cidades no Vale do Paraíba e litoral.
No total, o Trem Intercidades deverá ter um trajeto de 135 km e nove estações.
As antigas estações, quando ainda existem, já que dezenas foram demolidas, estão desabando, abandonadas ou sem uso. A presença de trilhos é ainda mais rara.
Em Vinhedo, que, a exemplo de Cordeirópolis, integrava a malha ferroviária da Companhia Paulista, três vagões queimados estão próximos à estação que, cercada por tapumes, foi invadida, pichada, e abriga lixo, barras de ferro retorcidas e vidros quebrados.
A partir de Campinas, interior adentro, sete das 20 primeiras estações não existem mais e três estão em mau es- tado. Outras viraram depósito ou moradia e só quatro estão em bom estado e são usadas realmente como estações.
Onde os trilhos não existem mais (foram retirados em massa na década de 80) a situação é ainda pior, pois as estações perderam sua função.
São os casos das estações Visconde de Parnaíba (Jardinópolis), Corredeira (Cajuru), Nhumirim (Santa Rosa de Viterbo) e Jaguara, em Sacramento (MG), que encerrava a Linha do Rio Grande e começava a Linha do Catalão.
A Corredeira perdeu telhado, não tem mais portas e foi tomada pelo mato. A Jaguara perdeu a conexão com o lado paulista da Companhia Mogiana na década de 70, quando a criação da represa da hidrelétrica de Jaguara deixou os trilhos submersos.
“Das que ainda estão de pé, muitas foram invadidas ou estão abandonadas, em processo de destruição. Todas deveriam ser preservadas, independentemente de serem ou não importantes historicamente, porque são prédios úteis à sociedade”, diz o pesquisador Ralph Giesbrecht.
A responsabilidade sobre a gestão dos prédios antigos virou um imbróglio, na avaliação de Denis Esteves, presidente do Instituto História do Trem, o que dificulta a manutenção das estações.
“Há quem cuide de locais operacionais, enquanto os não operacionais são de responsabilidade de outro órgão. Alguns têm importância histórica e poderiam ser ligados ao Iphan [instituto de patrimônio histórico], mas não são. Elas [estações] viraram, na maioria, terra de ninguém. O resultado é o que a gente vê, abandono completo.”
Para ele, além de terem passado a pertencer a estatais no passado, as estações chegaram a essa situação devido à falta de cultura preservacionista no país e aos entraves burocráticos para o uso delas.
“Quando as ferrovias foram concedidas, nos anos 90, o governo errou ao não exigir como contrapartida a preservação do patrimônio. Não apenas no aspecto histórico, mas como bem da União. Enquanto alguns prédios foram convenientes, eles foram usados. Depois, foram esquecidos.”
Há em São Paulo 41 bens ferroviários tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), entre eles a estação ferroviária de Vinhedo.
Segundo o órgão, entre os critérios básicos para abrir um estudo de tombamento de bens ferroviários estão a localização do conjunto em estâncias turísticas, o contexto histórico, se são projetados por arquitetos ou engenheiros renomados, se têm arquitetura diferenciada ou se são marcos zeros ou pontos terminais de linhas.
A conservação e manutenção de uma estação tombada são de responsabilidade do proprietário do imóvel.
O último tombamento ligado à memória ferroviária ocorreu em junho, com o complexo de Sorocaba, que engloba oficinas, estação, casas, armazéns e pátio de manobras, entre outros edifícios.
É um conjunto remanescente da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, assim como a estação de Iperó, que passa atualmente por restauro (leia texto nesta página). CESSÃO DE USO O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) informou, por meio de sua assessoria, que tem buscado estabelecer parcerias com prefeituras de cidades por onde passam as vias férreas e entidades da sociedade para resguardar o patrimônio e preservar a história dos municípios.
De acordo com o departamento, já foram disponibilizados 466 imóveis nos 17 Estados em que o Dnit atua, com a assinatura de 175 termos de cessão de uso a prefeituras ou entidades interessadas em manter estações.
A Prefeitura de Cordeirópolis disse que há um projeto de revitalização para a estação da cidade, com a criação de um centro cultural, não iniciado por não haver recursos para a sua efetivação.