Arma de propaganda do governo, seleção da Síria tenta vaga na Copa
Equipe enfrenta o Uzbequistão e, se vencer, aumenta a chance de classificação
DE SÃO PAULO
Quando estouraram os protestos de rua que levaram à Guerra Civil na Síria, em 2011, o futebol foi arma dos rebeldes. Hoje é ferramenta de poder para o presidente Bashar Hafez al-Assad.
E a seleção do país pode obter inédita classificação para a Copa do Mundo.
Nesta quinta-feira (23), às 9h (de Brasília), a Síria enfrenta o Uzbequistão, na Malásia, para manter viva a chance de ir ao Mundial do próximo ano, na Rússia. O presidente russo Vladimir Putin é o maior aliado de Assad.
Se vencer, a equipe chega a oito pontos no Grupo A das eliminatórias da Ásia. Fica a um do Uzbequistão, 3º colocado. Pelo sistema de disputa, os dois primeiros de cada chave avançam para a Copa. Os terceiros se enfrentam. Quem vencer, pega o 4º melhor da Confederação da América do Norte e Caribe.
“Eu tenho amigos na seleção. Quero que eles tenham sucesso. Isso me deixa bastante dividido”, disse à Folha o meia Mohammed Jaddou. “Quando pensei na chance de disputar o Mundial, resisti à ideia de deixar o meu país. Mas não foi mais possível aguentar. Tinha de ir embora”.
Ele era a principal revelação do futebol nacional. Fugiu por causa da guerra e vive como refugiado na Alemanha. Está no time sub-20 do Arminia Bielefeld, da 2ª divisão. Por ter deixado a Síria sem prestar o serviço militar, será preso se voltar. É o mesmo caso de outros atletas, como o volante Firas Al-Khatib, que hoje joga no Kuwait ou o meia Jahed Al Hussain, atualmente na Arábia Saudita.
O futebol esteve de alguma forma presente nos primeiros protestos que levaram à Guerra Civil. As músicas utilizadas pelos rebeldes eram adapta- ções das melodias cantadas nos estádios. Foram escritas pelo goleiro Abdul Baset AlSaroot e pelo meia Tarek Intabli, jogadores do Al-Wathbah, de Homs.
Mahmoud al-Jawabra, atacante do Al-Shouleh, da cidade de Daraa, acabou morto por forças do governo. Virou ícone da resistência.
Foi o esporte usado por Assad para tentar passar imagem de normalidade. No final de 2012, ele recebeu a seleção no “Palácio do Povo”, em Damasco. Pelo título do Campeonato da Federação do Oeste Asiático, cada atleta ganhou apartamento, emprego público e US$ 1,5 mil (R$ 4,6 mil pela cotação atual).
O futebol passou a servir como propaganda do presidente. O regime vende a imagem de alternativa mais tolerante ao Estado Islâmico, que se infiltrou entre os grupos rebeldes e mata qualquer pessoa flagrada usando uma camisa de time de futebol. ‘ESPORTE É POLÍTICA’ Turbinado pelo governo e com jogos disputados na capital Damasco, o futebol da Síria cresceu, pelo menos aos olhos da Fifa. Quando a guerra começou, a seleção ocupava o 144º lugar no ranking. Hoje está em 95º.
“Um dos clubes usados pelo governo foi o Al-Jaish, financiado pelo Ministério da Defesa. Há também o Al-Wahda”, afirma o técnico Osama Abdul Mohsen. Ele ficou famoso com a divulgação de vídeo em que era derrubado pela cinegrafista húngara Petra Laszlo enquanto corria segurando o filho. Mohsen trabalha em Getafe, na Espanha.
O Al-Wahda, de Damasco, é controlado por Muhammad Hamsho, empresário que tem os bens congelados nos Estados Unidos e considerado testa de ferro do general Maher al-Assad, irmão do presidente, em operações financeiras.
Pelas regras da Fifa, que proíbe governos de interferirem na administração do futebol, o país não poderia participar das eliminatórias. O controle está nas mãos da FGES (Federação Geral de Esportes Sírios) comandado pelo partido Baath. É o mesmo de Assad. A Federação de Futebol da Síria é ignorada.
“O apoio do governo e a liderança política [de Assad] são importantes para o desenvolvimento do esporte. É maneira de mostrar o valor do nosso país. Esporte é política para nós”, afirmou o general Muwafaq Jomaa, presidente da FGES, à TV estatal Al-Ikhbaria. Ele diz que a independência da federação pode estar no estatuto da Fifa, mas é proibida na Síria.
Para aumentar as chances de vaga na Copa, o governo perdoou o atacante Omar Al Kharbin, 23, que atua no AlHilal, da Arábia Saudita. Ele postou mensagens simpáticas à oposição nas redes sociais, mas tem sido convocado. Com sete gols, é o artilheiro da seleção nas eliminatórias.
Segundo a Associação Geral para Esportes e Juventude da Síria, entidade alinhada com a oposição, 217 jogadores de futebol foram mortos desde o início da guerra civil.