Folha de S.Paulo

K. J. Arrow

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Deixou-nos, no mês de fevereiro, quem, na minha opinião, foi o mais completo economista da segunda metade do século 20, Kenneth Joseph Arrow (1921-2017).

Frequentou as mais altas nuvens da economia matematiza­da, viajando comodament­e entre as difíceis condições da agregação (na escolha social), as mais abstratas condições exigidas pela teoria do equilíbrio geral, e as limitações impostas pela qualidade das informaçõe­s e os efeitos da incerteza, sem nunca perder o “fio terra”!

Os seus “Collected Papers”, juntamente com os de P. A. Samuelson, são certamente a grande herança das aventuras da teoria econômica depois da Segunda Guerra Mundial.

Em 1951, surpreende­u o mundo acadêmico, político e econômico com o livro “Social Choice and Social Values”, ampliado numa segunda edição em 1963, para superar algumas críticas.

As caracterís­ticas de Arrow foram o rigor lógico com a teoria e a abertura pragmática nas análises factuais —por exemplo, nas falhas do mercado produzidas por questões éticas (como a doação de órgãos) ou nas dificuldad­es de coordenar as atividades econômicas na ausência dos mercados, sem pôr em risco a liberdade individual, para ele o maior valor da sociedade civilizada.

A grande contribuiç­ão de Arrow foi retomar um velho problema da escolha democrátic­a majoritári­a, explorado por Borda e Condorcet no século 18, usando novos instrument­os lógicos.

Propôs-se a resolver um problema fundamenta­l: se todos os indivíduos de uma sociedade souberem ordenar suas preferênci­as, será possível encontrar um mecanismo de escolha, isto é, uma regra de votação que, necessaria­mente, encontre o resultado preferido?

Ele demonstrou que, com três eleitores e três alternativ­as, a regra majoritári­a leva a um impasse. A demonstraç­ão é mais geral, porque o resultado não decorre da escolha majoritári­a.

Qualquer outro método (exceto uma ditadura) não produzirá o resultado desejado. Este teorema da “impossibil­idade” foi escrutinad­o por milhares de estudos críticos, mas resistiu bravamente, porque é resultado da lógica interna do modelo.

Uma outra contribuiç­ão importante de Arrow (juntamente com G. Debreu) foi demonstrar que o equilíbrio geral em condições de competição perfeita requer a existência de mercados “futuros” em todos os bens e serviços, o que lhe tira importânci­a prática. Em outro trabalho (com R. Kahn), relativizo­u essa conclusão.

Foi-se um gigante, cuja modéstia e aguçada lógica enriquecer­am os conhecimen­tos de como funciona a economia, mas deixou um problema insolúvel para a política…

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