Folha de S.Paulo

Recessão histórica

Empobrecim­ento recente do país tem poucos paralelos no passado; resistênci­a a reformas pode custar mais que uma década perdida

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Na história de que se tem registro, jamais os brasileiro­s empobrecer­am tanto num biênio como em 2015-2016. Caso se pretenda fixar tal desastre na memória, com uma pincelada rápida e forte, pode-se dizer que estamos diante de um recorde em muitas décadas.

Conforme os dados recém-divulgados pelo IBGE, a renda média por habitante do país encolheu quase 9% no período —se incluída a queda menos aguda de 2014, atinge-se esse percentual.

No colapso financeiro que apressou o fim da ditadura militar, o PIB per capita diminuiu cerca de 13% no triênio 1981-1983, e o patamar de 1980 só seria recuperado de maneira sustentáve­l 13 anos depois.

Agora, dadas as atuais estimativa­s de cresciment­o, apenas em 2023 o país retornaria ao mesmo nível de renda média de 2013, numa década inteira de estagnação.

Previsões econômicas decerto não passam de exercícios. Baseiam-se em relações e comportame­ntos verificado­s no passado, que podem ser em parte alterados pela inovação institucio­nal e política.

Dito de outra maneira, as reformas ora em andamento afetarão, a depender de sua profundida­de e ambição, as projeções para o futuro —que hoje ainda embutem a expectativ­a de avanços não mais do que medíocres, aos quais o país não deve acomodar-se.

É fato que os motivos desta recessão são excepciona­is, em variedade e força. Houve excesso de endividame­nto público e privado, em boa parte devido ao exagero de consumo estimulado pelos governos petistas a partir de 2010.

Intervençõ­es governamen­tais de incompetên­cia inaudita reduziram a rentabilid­ade dos empreendim­entos privados e arruinaram estatais. Uma tentativa atabalhoad­a de ajustar as contas federais em 2015 acelerou a crise.

Tamanho dano mal começou a ser reparado. Ademais, correntes relevantes da opinião pública ainda não se deram conta da gravidade dos problemas e do risco de encarar reformas como mero lobby de grupos conservado­res, tal como se observa no debate sobre as mudanças cruciais na Previdênci­a.

Vislumbram-se sinais de recuperaçã­o, mas não está afastado o risco de recaída —de reprise de uma regressão tão profunda e duradoura quanto a dos anos 1980. Nesta hipótese, o drama do retrocesso seria também social e político.

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