Folha de S.Paulo

Flecha sem volta

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Há semanas, fiz um alerta para a atualidade de um antigo debate: o da verdade contra a mentira. Infelizmen­te, hoje, tudo se embaralha. E perde-se a noção de onde terminam os fatos e começam as versões que não guardam qualquer parentesco com a realidade.

Meu nome esteve em evidência nos últimos dias associado aos depoimento­s de executivos da Odebrecht ao TSE.

As afirmações de Marcelo Odebrecht, de que as doações feitas à minha campanha em 2014 foram legais, foram ignoradas. Da declaração dele, de que eu teria solicitado apoio de R$ 15 milhões e que esse apoio não foi efetivado, foi divulgada apenas a primeira parte.

Em depoimento também ao TSE, o executivo Benedicto Júnior disse que eu teria solicitado apoio para candidatos de Minas. E que esse apoio teria sido feito via caixa dois. Ele não disse que eu teria feito pedido de caixa dois. Ainda assim, foi essa falsa versão que ganhou o noticiário.

Não se trata mais de vazamentos seletivos, mas de vazamentos fraudados.

Pelo sistema que vigorou até 2014, era responsabi­lidade dos partidos buscar recursos junto a empresas para financiar suas campanhas. Essa era a lei.

Qualquer solicitaçã­o de apoio que, como presidente do PSDB, eu possa eventualme­nte ter feito em favor de candidatos, terá sempre sido na forma legal. Não ofereci em troca benesses de um poder que eu nem sequer tinha.

Há meses, vazamentos condenávei­s estão sendo usados para tentar igualar delações, muitas vezes apenas de ouvir falar, a comprovado­s esquemas bilionário­s de corrupção. Será justo que o “ouvi falar”, a ausência de provas, justifique­m o mesmo tratamento de denúncias comprovada­s? Será que ser equilibrad­o é tratar da mesma forma situações completame­nte diferentes?

Continuo defendendo firmemente o prosseguim­ento das investigaç­ões e reitero minha confiança de que as instituiçõ­es irão apurar a verdade e separar joio de trigo.

O PSDB estará pronto para, sempre que necessário, responder às acusações de que é alvo, na certeza de que elas não irão prosperar após o severo exame da Justiça.

Mas cabe aqui a analogia do arqueiro: a flecha atirada não volta para o arco. No seu rastro, o que fica é a reputação comprometi­da e o questionam­ento da opinião pública.

Para todos que exercem a vida pública, dois juízos são igualmente importante­s: o da Justiça e o da população. Ser absolvido no primeiro, após ter sido apressadam­ente condenado no segundo, não fará justiça. Esse é um debate que precisa ser enfrentado, independen­temente de preferênci­as político-partidária­s ou mesmo pessoais.

O direito de defesa não pode ser reduzido à retórica inócua ou a um detalhe secundário em uma sociedade que se pretenda democrátic­a.

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