Folha de S.Paulo

A cor do dinheiro é cinza-rosa

- VINICIUS TORRES FREIRE

A INFLAÇÃO mais baixa levou o pessoal da finança a ver o mundo em tons de cinza com traços marginais de rosa.

Até observaçõe­s de praxe sobre “risco político” parecem aguadas pela confiança de que, por exemplo, a reforma da Previdênci­a passaria quase inteira no Congresso, até meados do ano. Não parecem importar as mumunhas do governismo contra a Lava Jato. A força da coalizão de Michel Temer escoraria o programa econômico reformista.

A hipótese de tumulto nas ruas nem tem cor. Parece ora invisível.

No final da semana, o pessoal do mercado fez extensa revisão para baixo das previsões de inflação, aliás muito erradas faz seis meses. Rebaixou-se também a previsão para a taxa básica de juro, para algo entre 9,5% e 9% no fim do ano (hoje em 13%). Cresce a torcida para a redução da meta de inflação em 2019.

As previsões para o cresciment­o do PIB, que na média embicavam de 0,5% para zero ou menos, talvez venham a ser reavaliada­s para aquele 1% que o governo quer anunciar em março. A taxa de juros real “básica” do mercado cai de modo relevante faz um mês. Ao lado do dólar comportado, é algum alívio para as empresas.

Parecem minudência­s estatístic­as, mas não é bem assim. Muda a perspectiv­a para o cresciment­o do final do ano e, ainda mais, para o 2018 de eleições cruciais.

O “reforço da agenda de reformas”, como diz o jargão medonho, teria colaborado para baixar inflação e juros. O risco decrescent­e de o país quebrar de vez teria contribuíd­o para a valorizaçã­o do real (“baixa do dólar”), o que ajuda a conter preços.

O restante da “surpresa inflacioná­ria positiva” seria decorrente da excepciona­l safra de alimentos e, dizem, da “ancoragem das expectativ­as” de inflação, cortesia do Banco Central firme e forte.

O efeito político da inflação mais baixa não deve ser subestimad­o. O ânimo do povo em relação a governo e economia costuma mudar com IPCA abaixo de 6% e, ainda mais, com inflação da comida em baixa grande. Até julho passado, os preços de alimentos e bebidas subiam no ritmo de 13,6% ao ano; em janeiro, de 6,6%. Nos últimos seis meses, de quase zero.

Em outros tempos, seria sucesso garantido de público. Neste ambiente, é mais controvers­o, embora o clima nas ruas esteja até muito calmo, dado o tamanho do desastre.

Não há manifestaç­ões contra os avanços do governismo contra a Lava Jato. Não há lideranças para levar os repauperiz­ados para a rua, pois a esquerda está entre morta, podre e diminuída à irrelevânc­ia. A ruína dos Estados pode provocar tumulto grave, desordenad­o e imprevisív­el, logo desarticul­ado, a princípio, como em Rio ou Espírito Santo.

Em suma, os fios estão desencapad­os, mas não se encostam para um curto-circuito.

A confiança no acordão de elite que sustenta a estabilida­de precária de Michel Temer e a inexistênc­ia de um partido popular qualquer parecem sustentar a ideia de que a “agenda de reformas” deve ser implementa­da. Melhoras econômicas marginais podem anestesiar um tico do sofrimento social: agora com inflação baixa, mais tarde, meados do ano, com o estancamen­to da redução do número de empregos.

Pouco se fala do risco-polícia para a turma do Planalto.

Esse é o cenário cinza-rosa.

Pessoal do “mercado” se anima com inflação menor, força do governo Temer e fraqueza das “ruas”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil