Adultos ficam até anos à espera de julgamento
Em 16 de dezembro do ano passado, a mineira Adriana (nome fictício) chegou a Ciudad Juárez, no México, e foi deixada por um coiote (traficante de pessoas) numa estrada bem perto da fronteira com os EUA.
Ela desceu do carro, pegou a filha de 2 anos no colo e deu a mão à filha de 9, que tem microcefalia e não consegue andar muito rápido. Colocou uma mochila nas costas do filho de 7 anos e falou: “Vai correndo e não olha para trás”. Eles não podiam ser pegos pela polícia mexicana, que os mandaria de volta ao Brasil.
A família foi correndo no meio do deserto, ultrapassou uma barreira que demarcava a fronteira e continuou até que um carro da patrulha americana os interceptou.
Mas já estavam em solo americano e sabiam que não poderiam ser deportados.
“Eu estava muito nervosa, só pedia a Deus para a gente conseguir atravessar”, contou Adriana, 28.
Ela trabalhava como doméstica em Minas e tomou US$ 20 mil (R$ 62,4 mil) emprestados da irmã, que mora nos EUA, para pagar o coiote. Na travessia, largou a mala na estrada. “Ou me ocupava das crianças ou puxava a mala. Chegamos aos EUA com três mudas de roupa.”
É cada vez maior o número de brasileiros que entram ilegalmente nos EUA. De acordo com a Patrulha da Fronteira americana, mais que dobrou o número de famílias brasileiras detidas na travessia —de 608 indivíduos integrantes de família no ano fiscal de 2015 para 1.541 no ano fiscal de 2016, que termina em 30 de setembro.
A quantidade de crianças brasileiras desacompanhadas pegas na fronteira seguiu a mesma tendência e quase triplicou, de 23 para 66.
A comunidade de brasileiros em situação irregular nos EUA era estimada em 140 mil pessoas (de um total de cerca de 1,4 milhão de brasileiros) em 2009.
Com a crise financeira americana, a partir de 2008, houve um êxodo de brasileiros, e o número caiu para cerca de 100 mil em 2011.
Mas, com a situação econômica se deteriorando no Brasil a partir de 2014, muitos dos “retornados” voltaram aos EUA. “CAI CAI” A maioria dos brasileiros fica nos EUA pelo sistema conhecido como “cai cai” —cruzam a fronteira e imediatamente se entregam à polícia. Isso porque, pelas regras atuais, não se deportam automalha ticamente crianças que entram no país de forma ilegal.
Por isso, muitos pais ou mães viajam acompanhados de um filho menor de idade para evitar a deportação. “Eles os usam como salvoconduto”, diz Roberto Ardenghi, cônsul do Brasil em Houston, no Texas.
Atualmente, há 200 brasileiros detidos em abrigos da imigração só no Texas, que faz fronteira com o México. Com o aumento da demanda, o consulado de Houston contratou um escritório de advocacia só para dar assistência aos brasileiros que estão chegando ilegalmente.
A lei americana exige que crianças de países que não fazem fronteira com os EUA fiquem sob os cuidados do Departamento de Saúde antes deseremencaminhadosaum responsável, que deve ser parente direto.
Enquanto o responsável não é encontrado ou não comprova sua relação com a criança, ela fica num abrigo.
Maria, que vive irregularmente nos EUA, mandou buscar as duas filhas no Brasil — uma de 21 e a outra de 12. Ela pagou US$ 35 mil (R$ 109,2 mil) a um coiote. A mais ve- ficou na detenção alguns dias, mas a menor teve de ficar quase um mês num abrigo em Chicago.
Maria e o marido foram para os EUA há 11 anos e deixaram as filhas com a família em Minas. “Fiquei com medo, mas valeu a pena, finalmente nossas filhas estão com a gente”, disse. “Mas agora, com [o presidente Donald] Trump, não sei se vão deixar elas ficarem aqui.”
As meninas aguardam a audiência com um juiz de imigração, que decidirá se elas podem ficar com os pais nos EUA. “Precisa ver o que Trump vê como crime. Para ele, não ter documento é crime. No Brasil, crime é matar e roubar”, diz Maria.
Segundo Luiza Lopes da Silva, diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior, cada consulado começou a mapear os abrigos em sua jurisdição para dar a assistência necessária aos brasileiros detidos.
“Nos abrigos, as crianças recebem cuidados de assistentes sociais e alimentação, mas é uma experiência traumática”, diz Silva.
DA ENVIADA A WASHINGTON
Após a apreensão na fronteira, os imigrantes adultos ficam em centros de detenção nos EUA por períodosquevãodealguns dias a alguns meses.
De lá, o adulto é liberado com uma tornozeleira eletrônica,juntocomomenor, e fica à espera de uma audiência com o juiz que decidirá seu caso, enquanto recebe visitas periódicas de um oficial de imigração.
Como os tribunais de imigração estão sobrecarregados, as audiências podem demorar anos para acontecer. O presidente Donald Trump anunciou que vai rever essa política de “pegar e soltar”.
A promessa é que se aumentem recursos para os tribunais de imigração para acelerar os julgamentos. Também deve ser diminuído o número de pessoas que esperarão a decisão judicial em regime aberto.
“As pessoas se iludem, o Facebook mostra todo mundo feliz, e aí acham que é fácil entrar e arrumar emprego”, diz Lídia de Souza, diretora do New England Community Center.
“Mas é difícil e vai ficar ainda pior. Os indocumentados terão mais problemas para pôr filhos na escola e arrumar trabalho.”
A mineira Adriana, que cruzou a fronteira com o México com os três filhos, sente na pele as dificuldades. Ela veio fugida do Brasil, vítima de maus tratos do marido, traficante de drogas. A filha mais velha, que tem microcefalia, precisa de fisioterapia, mas ainda não conseguiu receber atendimento nos EUA.
Como os passaportes da família ficaram retidos, ela precisa tirar novos documentos para matricular as crianças na escola e conseguir atendimento médico para a filha. Mas não consegue, porque não tem autorização do pai.
Adriana foi liberada do abrigo com uma tornozeleira eletrônica e precisa se apresentar a um oficial de imigração todo mês. Sua audiência com o juiz foi marcada para junho.
No governo Obama, a maioria dos juízes deixava as famílias e crianças sem documentos ficar em solo. Mas ONGs de assistência a imigrantes acreditam que, sob Trump, grande parte das famílias acabará deportada. (PCM)