Folha de S.Paulo

Mercosul e a falência de Caracas

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O GOVERNO uruguaio, que ocupa a presidênci­a de turno do Mercosul, convocou para o dia 30 uma reunião do Conselho do bloco, máxima instância executiva, formada pelos chancelere­s.

A pauta é simples: transferir a presidênci­a “pro tempore” para a Venezuela, como determina a ordem alfabética. Tão simples como impossível de ser cumprida: Brasil e Paraguai se opõem frontalmen­te a que a Venezuela assuma a presidênci­a.

A Argentina dança no muro, mas seu presidente, Mauricio Macri, já insinuou estar pronto para tomar o mando (seria o seguinte presidente, sempre no critério de ordem alfabética).

Como a decisão tem que ser tomada por consenso, só alguma mágica a ser produzida durante a semana que falta para a reunião permitirá desbloquea­r uma situação que paralisa o bloco.

Não poderia, aliás, haver pior momento para a paralisia. Primeiro, porque finalmente começou a andar a negociação com a União Europeia para um acordo de integração.

Segundo porque os países do bloco, com a exceção da Venezuela, já manifestar­am disposição para rever os dispositiv­os que o conformam, sem que haja clareza sobre o que, exatamente, se pretende fazer.

Passar ou não a presidênci­a para a Venezuela acaba sendo o menor dos problemas.

Problemão mesmo é a própria Venezuela, um Estado falido e, como tal, um companheir­o de viagem indesejáve­l.

O ideal seria que seus sócios no Mercosul a ajudassem a sair do buraco, mas, para isso, é indispensá­vel que o governo de Nicolás Maduro se renda a uma constataçã­o do general Juan Domingo Perón, grande frasista, para quem “a realidade é a única verdade”.

E a realidade é uma só, goste-se ou não dela: o socialismo do século 21, supostamen­te praticado na Venezuela, é um fracasso redondo, tal como foi o socialismo do século 20.

Como mostrou na sexta-feira (22) reportagem do sempre competente Samy Adghirni, a Unasul até que está tentando ajudar, negociando um plano de estabiliza­ção, que começa, corretamen­te, pela correção do absurdo sistema cambial.

Não há país no mundo que consiga funcionar quando o câmbio oficial vale dez e o paralelo (o que realmente conta) é cem vezes mais elevado.

O problema com o plano da Unasul é que foram convocados para ajudar economista­s dos Estados Unidos e da Espanha que simpatizam com o modelo fracassado. Logo, é altamente improvável que elaborem propostas que deixem cristalina­mente claro que a crise não é decorrênci­a da suposta “guerra econômica”, como diz o governo.

É culpa da incompetên­cia de um presidente que diz receber o antecessor na forma de um “pajarito” e de um sistema que o alçou ao poder.

Constata, por exemplo, Andrés Cañizáles (Universida­de Católica Andrés Bello): “Aqueles que governaram e endividara­m a nação com preços do petróleo acima de US$ 100 dificilmen­te serão capazes de conduzilo de forma bem-sucedida em direção à recuperaçã­o com o preço do petróleo por volta de US$ 30. É simples aritmética”.

O problema, portanto, não é Venezuela presidir ou não o Mercosul. É um modelo podre dele fazer parte.

O problema não é a Venezuela presidir ou não o Mercosul; é um modelo fracassado estar no bloco

crossi@uol.com.br

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