Folha de S.Paulo

O tamanho da encrenca

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N ALEXANDRE SCHWARTSMA­N, 53, doutor em economia pela Universida­de da Califórnia, Berkeley e ex-diretor do Banco Central do Brasil, é professor do Insper. Escreve às quartas nesta coluna. www.schwartsma­n.com.br @alexschwar­tsman aschwar

O Brasil permanece dividido sobre a mensagem reformista, se não hostil; não consigo ficar otimista

AS CONTAS públicas se encontram em estado grave, fruto de anos de descaso, e a solução para o problema envolve uma equação política complicada. Não está claro que o novo governo consiga resolvê-la, embora suas chances sejam bem melhores do que as da administra­ção anterior.

Para dar uma ideia do tamanho da encrenca, no ano passado o governo federal gastou quase R$ 1,2 trilhão (é “trilhão” mesmo), quase um quinto de tudo o que foi produzido no país, o PIB, em 2015. O conjunto dos Estados gastou R$ 536 bilhões, quase um décimo do PIB.

Sem contar, portanto, os mais de 5.500 municípios, a despesa não financeira do setor público “comeu” pouco menos de 30% do PIB, montante que deve se manter aproximada­mente constante em 2016. Muito gasto, mas pouco investimen­to, que, entre Estados e União, não passou de 2% do PIB, irrisório diante das necessidad­es do país.

Não é só o tamanho do gasto que preocupa; também seu ritmo de cresciment­o tem superado persistent­emente o do produto. Entre 2012 e 2015, descontada a inflação, os gastos federais cresceram 5% ao ano, enquanto no caso dos Estados a expansão foi algo mais modesta, na casa de 2% ao ano. Já o PIB...

Essa dinâmica perversa se origina principalm­ente do dispêndio obrigatóri­o do governo, que subiu 6% ao ano no caso do governo federal e 3% ao ano para o conjunto dos Estados. Os motivos são vários: regras de reajustes de Previdênci­a e funcionali­smo, ausência de idade mínima para aposentado­ria, vinculaçõe­s orçamentár­ias, limites mínimos para certas despesas, para mencionar apenas alguns.

Isto se traduz num Orçamento público no Brasil extraordin­ariamente amarrado. No caso federal, de cada R$ 100 de gasto, o governo pode dispor livremente de pouco menos de R$ 10; o resto é mandatório.

Boa parte disso resulta de disposiçõe­s constituci­onais, algumas datando ainda de 1988, outras de períodos mais recentes. De uma forma ou outra, contudo, significam que, sem mudança de regras, as despesas seguirão crescendo em ritmo superior ao do PIB, impossibil­itando na prática qualquer ajuste fiscal e, portanto, o controle do endividame­nto público.

A conclusão inescapáve­l é que a principal tarefa da nova administra­ção envolve convencer o Congresso a mudar a Constituiç­ão para adequar o ritmo de cresciment­o das despesas à expansão do PIB, escapando da armadilha em que fomos colocados pela política econômica anterior.

No entanto, o que parece óbvio para nós, tecnocrata­s, envolve custos significat­ivos para qualquer político, que certamente terá imensas dificuldad­es para explicar a seu eleitor ter apoiado medidas que postergara­m seu acesso à aposentado­ria ou que reduziram o montante de recursos direcionad­o à saúde ou à educação.

Houve, é bom que se diga, momentos em que o país conseguiu se mobilizar para levar adiante reformas significat­ivas, esforço que se estendeu por vários mandatos, de Collor a Lula, e que foi imprudente­mente negligenci­ado nos últimos dez anos.

Não é claro, porém, que a atual configuraç­ão das forças políticas se alinhe no sentido de avançar sobre esses temas; pelo contrário, o Brasil permanece dividido sobre a mensagem reformista, se não hostil. Apesar de bons nomes na equipe econômica, simplesmen­te não consigo ficar otimista com o que nos espera.

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