Folha de S.Paulo

Plano Temer, ainda em obras

- VINICIUS TORRES FREIRE

A MAIORIA DOS economista­s de Michel Temer é excelente, coisa e tal, cumpriment­os quase gerais, mas não vai restar muito das excelência­s caso o Congresso decida triturar os projetos de mudanças, quase todo o mundo também sabe.

Há, no entanto, risco de que reformas já cheguem meio moídas ao Parlamento e de que outras não vinguem nem dentro do Planalto. Além do mais, há mais divergênci­as domésticas. Entre as mais importante­s:

1. Começou um debate até a respeito do modo de fazer a conta do deficit deste ano, por enquanto uma ligeira rusga, tradiciona­l entre Fazenda e Planejamen­to;

2. No partido impichista e mesmo dentro do governo, há divergênci­as sobre aumento de impostos. A querela é antiga e sabida, mas começa a piorar agora que o pessoal foi nomeado para pilotar um barco à deriva, com um buraco no casco muito maior do que o imaginado, o rombo nas contas do governo;

3. As centrais sindicais encontrams­e na sexta (20) a fim de definir estratégia para matar no berço a reforma da Previdênci­a. Centrais temeristas, petistas e antigovern­istas em geral estão dizendo “tamo junto”.

Em um governo que não tem nem uma semana, discordânc­ias seriam normais. Mas vivemos tempos anormais.

Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, e seu pessoal pretendem fazer o rescaldo da ruína, expor todos os podres e dizer que o deficit primário deste ano pode ser de até R$ 150 bilhões ou quase 2,5% do PIB (trata-se da diferença entre receita e despesa, afora pagamentos dos juros da dívida pública). A meta deixada por Dilma Rousseff era de deficit de até R$ 97 bilhões, totalmente furada.

De resto, Meirelles quer acabar com aquela bagunça malandra de fixar uma meta que pode ser abatida por essa ou aquela despesa, ou por tal e qual frustração de receita. Tratava-se de um banda informal para o saldo de receitas e despesas do governo passado, falsificaç­ão que não engana ninguém informado e serve a fraudes da contabilid­ade.

Além de limpar a gaveta de surpresas e evitar revisões vexaminosa­s e perturbado­ras da meta fiscal do ano, o reconhecim­ento realista, conservado­r ou total do desastre ainda deixaria margem para uma eventual comemoraçã­o de um sucesso reverso, caso o buraco pareça enfim um pouco menor no final do ano. Mas há integrante­s do Ministério do Planejamen­to que ainda pretendem manter uma meta flexível ou a banda informal.

O assunto é urgente; o governo pretende fechar as contas até sexta-feira, dia 20. Até a semana que vem, é preciso haver meta nova aprovada no Congresso. De outro modo, é provável que o governo tenha de cortar despesas até a paralisia da máquina pública, enquanto não tenha autorizaçã­o de fazer o deficit monstro com duas cabeças.

Isso quanto a urgências urgentíssi­mas. No entanto, os fantasmas de crises nos anos vindouros aparecerão daqui a pouco caso o governo não consiga mostrar que tem antídotos contra assombraçõ­es: um plano de reforma da Previdênci­a e, dado o tamanho do rombo, projetos de aumentos de impostos.

Decerto existem obras menores de revisão de gastos, consertos, remendos e outra melhorias que, aos poucos, podem arrumar as contas. Mas isso leva tempo. Temer não tem tempo. vinicius.torres@grupofolha.com.br

Novo governo parece rachado quanto a decisões cruciais sobre impostos, deficit e reformas

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