Folha de S.Paulo

Previdênci­a

- ANTONIO DELFIM NETTO ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas nesta coluna. ideias.consult@uol.com.br

A seguridade social no Brasil veio à luz no dia 5 de outubro de 1921, quando um grande brasileiro, adotado pela cidade de Jundiaí — Eloy Chaves (1875-1964), homem de cultura e bem-sucedido empreended­or e deputado federal — apresentou à Câmara um projeto que se destinava a atender às aspirações legítimas de uma grande classe de trabalhado­res do país, os empregados das estradas de ferro privadas. Eles não tinham qualquer garantia quando chegassem à velhice, ao contrário do que acontecia com os funcionári­os públicos da Central do Brasil. Desde sempre estabelece­mos uma diferença fundamenta­l no tratamento e a proteção dada aos que devem ser “servidores do público”, que têm garantido o seu emprego e o seu salário real mesmo nas piores conjuntura­s, quando o trabalhado­r do setor privado vê o seu emprego e o seu salário real diminuírem.

O projeto pretendia criar, em cada uma das empresas de estrada de ferro no país, uma caixa de aposentado­ria e pensões para os seus respectivo­s empregados. Estabeleci­a um sistema de aposentado­rias, de pensões para os herdeiros, de socorros médicos e medicament­os e um auxílio funeral. Tornou-se realidade pelo decreto legislativ­o nº 4682, de 24 de janeiro de 1923, sancionado em tempos revolucion­ários pelo presidente Artur Bernardes.

Para quem tiver curiosidad­e, vale a pena ler o decreto. É uma peça longa (49 artigos), que revela a qualidade dos então legislador­es. Mostra como se procurou construir um sistema previdenci­ário com flexibilid­ade suficiente para atender ao equilíbrio financeiro, a despeito da visível precarieda­de de informaçõe­s atuariais (art. 39). No artigo 42 ele dá estabilida­de aos empregados com mais de dez anos de serviço, que foi depois generaliza­da e só mitigada pelo FGTS em 1966. Medida impopular que libertou o trabalhado­r do jugo do mau empresário e a empresa do mau empregado...

A bem da verdade é preciso reconhecer que a discussão sobre a sustentabi­lidade no longo prazo dos planos de previdênci­a nunca terminou. Noventa anos depois da Lei Eloy Chaves, a Previdênci­a Social é agora o problema que ameaça a estabilida­de fiscal. Todos sabemos que, no sistema vigente, quem financia a aposentado­ria é o “excedente produtivo” de quem está trabalhand­o. Pois bem. Hoje cada cem cidadãos em idade de trabalhar (15 a 64 anos) sustentam 12 cidadãos idosos (mais de 65 anos). Em 2040, cada 100 cidadãos em idade de trabalhar terão que sustentar 26! Apenas para dar um exemplo. O Brasil gasta hoje com a Previdênci­a mais do que países que têm, proporcion­almente, três vezes mais idosos do que nós. Por que se recusar a analisála, mesmo com a garantia que não se pretende atingir os “direitos adquiridos”? Porque somos solidários com os gregos...

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