FERIDAS DE MAIO Com medo de encapuzados, mãe veta ida de filho à rua
Pai de menino foi morto há dez anos na porta de casa, na zona sul de SP
Grupos de atiradores cometeram chacinas após ataques a forças policiais, deixando rastro de crianças órfãs
Yuri, 11, nunca pode brincar na frente de casa como as outras crianças. A mãe dele, a dona de casa Ana Carla Xavier Andrade, 30, não deixa de jeito nenhum. Ela teme que os encapuzados possam voltar um dia.
Foi ali, na rua Jorge de Moraes, no Parque Bristol, extremo sul de São Paulo, que o pai do garoto, Fábio de Lima Andrade, 24, foi assassinado com oito tiros no dia 14 de maio. Os encapuzados chegaram, atiraram e foram embora. Deixaram três mortos, entre eles o pai de Yuri.
O menino faz parte de uma legião de órfãos deixada pela onda de violência daquele sangrento maio de 2006. Grupos de extermínio —suspeita-se, formados por policiais— saíram às ruas para vingar os ataques do PCC.
Muitos inocentes morreram e muitas crianças cresceram ouvindo falar na impunidade dos crimes.
Yuri tinha apenas um ano e não teve tempo de conhecer o pai. Sabe, pela família, que se parece muito com ele. “Quero ser criador de games”, desconversa, quando o diálogo com a reportagem avança sobre o seu pai.
O casamento dos pais ocorreria em breve. No dia da sua morte, Fábio havia ido até a casa da então namorada só para entregar a ela o presente de Dia das Mães, uma pequena margarida de pelúcia, onde está escrito a palavra “amor”. Ana Carla guarda o presente até hoje.
“É horrível saber que os assassinos estão soltos e a gente tem que viver com medo”, conta ela. “Eu procuro manter meu filho distante dessa vida aqui por causa disso.”
Yuri começou a falar bem mais tarde que as demais crianças. Mãe solteira e desempregada, Ana Carla teme não poder dar a educação que o filho necessita para virar criador de games. GARI Quase no mesmo horário da chacina do Parque Bristol, o gari Edson Rogério Silva dos Santos, 29, morria em Santos, litoral sul, logo após uma abordagem da Polícia Militar.
O corpo dele chegou a ser exumado para que a investigação fosse retomada. Mas o assassino nunca foi achado.
Após o crime, Lineker, o filho do gari, que tinha três anos à época da morte, passou a chorar toda vez que tentava empinar pipa, algo que costumava fazer com a ajuda do pai.
Depois de se alfabetizar, o garoto escreveu uma carta para Edson: “Eu queria que você tivesse vivo. Mas, mesmo assim, sinto que você está do meu lado. Eu te amo e sei que o senhor me ama também. Eu queria que o senhor brincasse comigo quando eu chegasse da escola”.
“Ele foi torturado pelo presente do Dia dos Pais nas creches”, diz a avó do menino, Débora Maria da Silva, 56, coordenadora das Mães de Maio, que reúne mães de mortos por grupos de extermínio em 2006. O grupo buscou ajuda mútua para obter respostas. No caso dela, também para o neto. “É um menino triste. Não pode ficar a sós comigo que cobra. Queria ter resposta.” (AR, RP E AP)