Folha de S.Paulo

É como se maio de 2006 nunca tivesse acabado. As cenas daqueles dias não param

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de se repetir na memória dos familiares das vítimas dos ataques que mataram centenas de inocentes, entre civis e membros das forças de segurança do Estado.

De um total de 564 pessoas mortas na semana dos ataques do PCC, de 12 a 21 de maio daquele ano, 59 eram policiais militares, policiais civis e agentes de segurança. E eles foram os primeiros.

“Quando minha cunhada entrou pela porta, e me abraçou chorando, pensei que fos- se algo com minha sogra, que estava internada. Aí, eu vi dois bombeiros do lado de fora. Essa imagem não me sai da cabeça. As pernas amoleceram na hora”, lembra Rosemeire Fernandes da Costa, 48.

Ela é viúva do bombeiro João Alberto da Costa, 40, morto no dia 13 de maio, quando estava a serviço em uma unidade da corporação no bairro de Campos Elíseos, na região central da capital.

A morte dele incomodou os próprios criminosos. Em uma gravação obtida por meio de um grampo telefônico, um detento diz ter achado o crime “sacanagem”. A mulher, do outro lado da linha, responde: “Ele salvava vidas”.

“Meu marido achava que São Paulo estava muito violenta”, diz Rosemeire.

Depois do assassinat­o, ela se mudou para o interior, como o marido queria. Também comprou e mobiliou uma casa —exatamente como o bombeiro havia planejado— com os R$ 100 mil de indenizaçã­o, valor que o Estado destinou às famílias de policiais.

João morreu sem realizar outro sonho: ter um filho. ‘BIN LADENS’ Os agentes do Estado foram surpreendi­dos pelos “bins ladens”. Era assim que se autodenomi­navam os criminosos convocados pelo PCC para matar como pagamento de dívidas contraídas com a facção.

Um desses grupos de criminosos cruzou o caminho do PM Nelson Pinto, 44, em Jundiaí, interior do Estado.

O policial foi morto no dia 12, na primeira noite dos ataques. Ele foi surpreendi­do por oito criminosos armados, que ocupavam quatro motos. Foi baleado três vezes, sendo um dos tiros na cabeça.

Viúva de Nelson, a aposentada Rosa de Jesus de Oliveira Pinto, 69, hoje mora sozinha, numa casa que parece cada vez maior. “Minha família, minhas irmãs todas têm seus maridos, vão passear, vão pra praia, vão curtir a vida. Elas têm Natal, Ano Novo. Eu não tenho nada disso. Eu só tenho a saudade, a lembrança que ficou”, diz ela.

O deputado federal Major Olímpio (SD-SP), oficial da ativa na época, afirma que o comando da PM e o governo sabiam da possibilid­ade dos ataques, mas preferiram não repassar as informaçõe­s.

A reportagem pediu entrevista com o secretário da Segurança à época, Saulo de Castro, sem sucesso. Questionad­o sobre a reação do governo diante dos ataques, o exgovernad­or Cláudio Lembo, afirmou que a atuação foi a melhor dentro do possível e elogiou a PM.

“cunhada entrou pela porta, e me abraçou chorando, pensei que fosse algo com minha sogra, que estava internada. Aí, eu vi dois bombeiros do lado de fora. Essa imagem não sai da minha cabeça. As pernas amoleceram na hora

ROSEMEIRE F. DA COSTA, 48 viúva de bombeiro

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