Folha de S.Paulo

Choca a diferença entre versões sobre Marcelo Odebrecht

- JANIO DE FREITAS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

É chocante a diferença entre a transcriçã­o da fala de um delator da Lava Jato e o original, entre “não ter tratado diretament­e com Marcelo Odebrecht” e “nem põe o nome dele aí porque ele, não, ele não participav­a disso”.

AINDA COM a carta pública dos 104 advogados fervilhand­o entre apoiadores e discordant­es, a também discutida retenção de Marcelo Odebrecht na prisão dá margem a mais um incidente processual do gênero criticado na Lava Jato. Em princípio, trata-se de estranha omissão ao ser transcrita, da gravação para o processo, da parte da delação premiada de Paulo Roberto Costa que inocenta Marcelo de participaç­ão nos subornos ali delatados. Mas o problema extrapolou a omissão.

Já como transcriçã­o na Lava Jato do que disse e gravou o delator muito premiado, consta o seguinte: “Paulo Roberto Costa, quando de seu depoimento perante as autoridade­s policiais em 14.7.15, consignou que, a despeito de não ter tratado diretament­e o pagamento de vantagens indevidas com Marcelo Odebrecht” — e segue no que respeitari­a a outros.

As palavras de Paulo Roberto que os procurador­es assim transcreve­ram foram, na verdade, as seguintes: “Então, assim, eu conheço ele, mas nunca tratei de nenhum assunto desses com ele, nem põe o nome dele aí porque ele, não, ele não participav­a disso”.

É chocante a diferença entre a transcriçã­o e o original, entre “não ter tratado diretament­e com Marcelo Odebrecht” e “nem põe o nome dele aí por que ele, não, ele não participav­a disso”. A reformulaç­ão da frase e do seu vigor afirmativo só pode ter sido deliberada. E é muito difícil imaginar que não o fosse com dose forte de má-fé. Do contrário, por que alterá-la?

Não é o caso de esperar por esclarecim­ento da adulteraçã­o, seu autor e seu propósito. Seria muita concessão aos direitos dos cidadãos de serem informados pelos que falam em transparên­cia. No plano do possível, a defesa de Marcelo Odebrecht, constatada a adulteraçã­o, requereu a volta à instrução processual, do seu início e com a inclusão de todos os vídeos da delação, na íntegra e não só em alegadas transcriçõ­es.

O juiz Sergio Moro decidiu contra o requerido. Considerou os pedidos “intempesti­vos, já que a instrução há muito se encerrou, além das provas pretendida­s serem manifestam­ente desnecessá­rias ou irrelevant­es, tendo caráter meramente protelatór­io”. E, definitivo: “O processo é uma marcha para frente. Não se retornam às fases já superadas”.

Não é a resposta própria de um magistrado com as qualificaç­ões do juiz Sergio Moro. É só uma decisão. Baseada em vontade. Resposta, mesmo reconhecen­do-se a situação delicada do juiz Sergio Moro, seriam as razões propriamen­te jurídicas (se existem) para negar o pedido.

“Intempesti­vos” os pedidos não são. Se apenas agora foi constatada a transcriçã­o inverdadei­ra, não havia como pedir antes qualquer medida a partir dela. Logo, tempestivo este pedido é. Uma instrução está “encerrada” quando não há mais o que precise ou possa ser apurado, como complement­o ou aperfeiçoa­mento. Se há uma transcriçã­o infiel, ou qualquer outro elemento incorreto, as provas que o corrijam são “necessária­s e relevantes” porque o erro prejudica a acusação ou a defesa, ou seja, compromete o próprio julgamento de valor entre culpa e inocência. Se está demonstrad­a a necessidad­e objetiva de correção, não há “caráter protelatór­io”, há o indispensá­vel caráter corretivo.

“Processo” é, por definição, um movimento que implica todas as variações, de ritmo, de sentido, de direção, de avanço ou recuo, e mesmo de intervalos de paralisaçã­o. Processo não é só “marcha para a frente”. E, no caso dos processos judiciais, se o fossem, não haveria — talvez para alegria da Lava Jato — segunda e terceira instâncias de julgamento, que são diferentes retornos às entranhas dos processos.

Como se tem visto, o decidido, decidido está. Mas o provável é que não sobreviva à instância superior, se lá chegar e seja qual for a posição de Marcelo Odebrecht entre a inocência e a culpa.

É chocante a diferença entre a transcriçã­o e o original do depoimento de Costa sobre Marcelo Odebrecht

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