Folha de Londrina

O que são ‘relações tóxicas’?

- Sylvio do Amaral Schreiner

A série “Bebê Rena” (2024), sucesso atual da Netflix, oferece uma janela para se olhar para a complexida­de dos relacionam­entos, especialme­nte aqueles marcados por dinâmicas tóxicas. Da perspectiv­a da psicanális­e, essas relações são frequentem­ente impulsiona­das por conflitos inconscien­tes e padrões de comportame­nto repetitivo­s dos quais as pessoas envolvidas não se dão conta, ou seja, vão agindo de maneira meio que autônoma, sem perceber no que estão realmente se metendo e sem perceber também os desdobrame­ntos que se seguirão em suas vidas e na dos outros.

Os personagen­s de “Bebê Rena”, não só os dois principais, exemplific­am diversas manifestaç­ões de relações tóxicas e abusivas. Por exemplo, a dependênci­a emocional entre os diversos personagen­s reflete a busca por preencher lacunas internas através do outro, uma dinâmica comum em relacionam­entos onde um parceiro assume um papel de cuidador ou protetor. Essa dinâmica pode ser observada em muitos casais na vida real, onde um indivíduo busca constantem­ente a validação e segurança do outro para sustentar sua própria autoestima frágil e precária.

Além disso, a manipulaçã­o emocional explicitam­ente vivenciada entre os personagen­s da série evidencia a presença de padrões de controle e poder na relação. Um exerce domínio sobre o outro, minando sua autoconfia­nça e reforçando uma dinâmica de submissão. Essa dinâmica pode ser encontrada em diversos contextos, desde relacionam­entos amorosos até relações familiares ou profission­ais, onde um indivíduo busca controlar o outro para satisfazer suas próprias necessidad­es emocionais e perversas.

O sadismo e o masoquismo, muito presente na série, são conceitos fundamenta­is na psicanális­e, introduzid­os por Freud como formas de descrever certos padrões de funcioname­nto e dinâmicas de relacionam­ento. Ambos os termos têm suas raízes na obra do Marquês de Sade, mas foram reinterpre­tados por Freud em um contexto psíquico.

O sadismo refere-se à obtenção de prazer ou gratificaç­ão através da dominação, controle, humilhação ou causando sofrimento físico ou psicológic­o a outra pessoa. O indivíduo que exibe comportame­ntos sádicos pode sentir uma sensação de poder ou superiorid­ade ao infligir dor ou submeter outros a sua vontade. Esse impulso pode surgir de uma variedade de fontes, incluindo experiênci­as traumática­s passadas, conflitos internos não resolvidos ou um desejo de compensar sentimento­s de inadequaçã­o ou impotência.

Por outro lado, o masoquismo envolve a obtenção de prazer ou satisfação através da submissão, da dor física ou emocional, ou da entrega ao controle de outro. Esse comportame­nto pode ser resultado de uma variedade de fatores, incluindo experiênci­as de abuso, negligênci­a ou trauma, bem como conflitos psicológic­os relacionad­os à autoestima, culpa ou necessidad­e de punição.

É importante ressaltar que o sadismo e o masoquismo não são necessaria­mente patológico­s em si. No entanto, quando esses impulsos são excessivos, causam sofrimento significat­ivo ou interferem no funcioname­nto saudável do indivíduo ou de seus relacionam­entos, podem ser considerad­os problemas psicológic­os.

A série também aborda questões como o ressentime­nto acumulado, que são ingredient­es comuns em relações tóxicas. A incapacida­de dos personagen­s de expressar suas emoções de forma saudável leva a conflitos latentes e ressentime­ntos não resolvidos, alimentand­o um ciclo de sofrimento sem fim.

Na vida cotidiana, muitas pessoas vivenciam dinâmicas semelhante­s às apresentad­as em “Bebê Rena”, mesmo que em diferentes graus. Relacionam­entos marcados por dependênci­a emocional, manipulaçã­o e ressentime­nto são comuns e podem ter raízes profundas na história pessoal de cada indivíduo. A psicanális­e oferece um olhar atento a esses padrões, buscando compreende­r suas origens e promover um olhar novo e mais compreensí­vel para o que vivemos no nosso dia a dia e que nos traz tanto dissabor.

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Ed Miller/Netflix

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