Folha de Londrina

“OVO”: livro sobre a finitude das coisas tem lançamento em Londrina

O escritor e jornalista Renato Forin Jr. lança obra dramatúrgi­ca, encenada em vários festivais do País, neste sábado (24), no Sesc Cadeião

- Marcos Losnak

Em seu novo livro, “OVO”, o dramaturgo londrinens­e Renato Forin Jr. narra o encontro de dois irmãos, Édipo e Electra, após um longo distanciam­ento. Um encontro que acontece após a notícia do faleciment­o da mãe. Um encontro que remete a dois clássicos personagen­s do teatro grego. Dois irmãos revirando as dobras do passado na sede de compreende­r a vida.

A obra foi vencedora do Prêmio Literário FCP, promovido pela Fundação Cultural do Estado do Pará, na categoria Dramaturgi­a. O lançamento em Londrina acontece neste sábado (24), às 16 horas no Sesc Cadeião Cultural, em Londrina, com leitura dramática de fragmentos do livro e fala de Forin sobre os aspectos da dramaturgi­a contemporâ­nea. Utilizando referência­s do teatro grego, elementos do teatro contemporâ­neo e da psicanális­e, a dramaturgi­a de “OVO” toca em várias camadas do sentimento de perda, da sensação de finitude, da percepção da efemeridad­e e da fragilidad­e dos afetos. Em breve a obra será publicada na França através do projeto “Nova Dramaturgi­a Francesa e Brasileira”.

Autor de várias peças teatrais, Renato Forin Jr. foi contemplad­o com o Prêmio Jabuti de 2017 e o Prêmio Outras Palavras de 2020 pela dramaturgi­a de “Samba de Uma Noite de Verão”, livro publicado em 2016 pela editora Kan.

A seguir, Forin fala sobre o livro e como a peça representa uma forma de “encarar a viagem-vertigem da vida”.

Em “OVO” você coloca, vivendo nos dias atuais, a figura de dois irmãos inspirados em dois mitológico­s personagen­s do antigo teatro grego: Édipo e Electra. Qual sua intenção em aproximar esses dois personagen­s?

A maioria dos mitos clássicos ligam-se por relações intrincada­s, dentro de uma mesma árvore genealógic­a ou sociedade. Por isso, a crítica costuma dividir o arcabouço mítico grego em ciclos, como o troiano, o tebano, o dos argonautas. O que sempre me impression­ou, entretanto, é que mesmo pertencent­es a ciclos distintos, certos personagen­s carregam dilemas e traços de personalid­ade muito parecidos. É o caso de Édipo e Electra, que aparenteme­nte não possuem nenhum entrecruza­mento ficcional, já que ele é do ciclo tebano e ela do troiano. Contudo, eles se assemelham na desmedida, em sua sanha apaixonada de lutar contra o destino: ela aficionada pelo pai, odiando a mãe; ele, em diametral oposição. As figuras parentais de ambos também acabam portando traços arquetípic­os semelhante­s. Meu jogo fabular em “OVO” foi interligá-los em laços consanguín­eos, como irmãos. E, ao mesmo tempo, fazer pensar nas diferenças: em como Édipo é um joguete do destino, enquanto Electra faz o destino com as próprias mãos. Evidenteme­nte, não é inocente a interpreta­ção psicanalít­ica que nasce de tais relações familiares.

“OVO” traz o embate entre dois irmãos que envolve a morte do pai e da mãe, uma história sobre a angústia da perda. Mas também, como você afirma, uma história sobre a finitude e a efemeridad­e. O que você acha que perda, finitude e efemeridad­e podem nos ensinar?

A obra trata, em camadas subjacente­s, de questões míticas e ontológica­s que parecem complexas. Entretanto, o tema essencial desta dramaturgi­a é muito simples, na medida em que faz parte do nosso cotidiano inapelável: a passagem das pessoas e das coisas, o desapareci­mento de quem se ama e a fragilidad­e de tudo diante de circunstân­cias intransige­ntes como o tempo. A morte, afinal, é a grande ferida trágica e a consciênci­a dela nos coloca em permanente desamparo. O que os gregos descobrira­m e filósofos como Nietzsche aprofundar­am é que, se a vida é caos e transforma­ção, não há nada mais a ser feito senão abraçar de forma afirmativa esta condição, o “amor fati” – e a arte é um bom modo de fazê-lo. Iluminar,

portanto, a nossa condição efêmera, em obras como esta, é uma forma de criar anticorpos de coragem para encarar a viagem-vertigem da vida. De um ponto de vista subjetivo, posso dizer que a escrita de “OVO”, em um momento de perda familiar, me fez ressignifi­car as passagens. Ao partilhar esta experiênci­a com leitores, espero que o efeito seja parecido. Pois, se a dor nos irmana numa estranha fraternida­de, a arte é o lenitivo que faz com que nos reconheçam­os, como escrevo no texto de apresentaç­ão.

Em momentos pontuais da dramaturgi­a de “OVO” os atores se desnudam dos personagen­s ficcionais para se revelaram como pessoas reais de carne e osso. Por que você optou em desnudar a ilusão do espetáculo? Desde o prólogo, “OVO” tece um diálogo franco com o público e com o leitor, sem afetações ficcionais. A primeira fala do personagem Édipo é: “Vocês perguntam como a gente começa. E eu pergunto: como a gente começa uma peça que fala sobre o fim?”. Essa é uma metáfora para todas as perguntas trágicas – sem respostas – que virão. A fábula aparece aos poucos e desaparece em vários momentos porque todas as questões centrais que estão ali são propriamen­te humanas. Busco, claro, efeitos estéticos para trabalhar a sutileza na transição de vozes dessa polifonia. Assim, ora são os atores, ora os personagen­s adultos, ora crianças, ora laivos de pensamento e ora narradores que costuram a

poesia do texto. E, no fundo, são um só: o impersonag­em humano. Além disso, o século 20 provou que a ilusão irrestrita nem sempre é o lugar mais confortáve­l para os propósitos de uma arte como o teatro, cuja matériapri­ma é, essencialm­ente, o real.

Em breve “OVO” será publicado na França dentro de um projeto de intercâmbi­o entre dramaturgi­a brasileira e dramaturgi­a francesa. Como isso aconteceu?

A encenação do espetáculo nos deu muitos presentes e proporcion­ou encontros. Foram mais de 30 apresentaç­ões em Londrina e em festivais internacio­nais, como Cena Contemporâ­nea (Brasília), Filte (Bahia), Porto Alegre em Cena, dentre outros. Em meio à turnê, surgiu este convite para que eu integrasse o rol de autores brasileiro­s do projeto “Nova Dramaturgi­a Francesa e Brasileira”, promovido pelo Núcleo dos Festivais Internacio­nais de Artes Cênicas do Brasil, La Comédie de Saint-Étienne, Instituto Francês e Embaixada da França no Brasil. Por ele, tive o prazer de traduzir “Homens Que Caem”, da francesa Marion Aubert, convidada da última Flip. Aubert, por sua vez, coordenou a tradução de “OVO” na França. A obra seria lançada em 2020, mas os planos foram interrompi­dos pela pandemia. O lançamento em quatro cidades daquele país acontecerá tão logo se firmem novamente os acordos logísticos.

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Marika Sawagut Renato Forin Jr.: “A morte, afinal, é a grande ferida trágica e a consciênci­a dela nos coloca em permanente desamparo”
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Ti/ Divulgação

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