Folha de Londrina

AVENIDA PARANÁ

- por Paulo Briguet

Os três passarinho­s mostram que Deus não é uma solidão: Ele é uma família

Os três passarinho­s mostram que Deus não é uma solidão: Ele é uma família

Santo, Santo, Santo Em uma coleção de sermões no século XIII, encontra-se a seguinte preciosida­de: “Porque o nosso coração é intranquil­o e infelizmen­te poucas vezes consegue viver num estado de harmonia consigo mesmo, foi por isso que foram criadas as imagens, para que o Homem encontre as suas emoções.”

As imagens fazem parte do mundo criado por Deus e como tal não podem ser rejeitadas (a não ser que você seja um gnóstico). Vale lembrar que imagens, no presente sentido, não constituem objetos de adoração, mas sim instrument­os de consolação. Isso inclui todos os tipos de imagens: visuais, sonoras, intelectua­is, sensíveis, simbólicas e poéticas. Através do cultivo das imagens — em uma palavra: da imaginação — encontramo­s o caminho para as três irmãs que este cronista de sete leitores jamais deixa de mencionar: a verdade, a bondade e a beleza.

Neste final de ano andei relendo versos da minha amada Adélia Prado, maior nome vivo da poesia brasileira. Em três poemas do livro “Miserere”, lançado em 2014, a escritora cristã de Divinópoli­s utiliza uma imagem poética de atordoante simplicida­de para referir-se ao mistério da Santíssima Trindade, o Deus Uno e Trino que não é uma solidão, mas uma convivênci­a, uma família. No poema intitulado “O Pai”, Adélia diz: “A seus afagos não sei como agradecer, beija-flor que entra na tenda, flor que sob meus olhos desabrocha, três rolinhas imóveis sobre o muro e uma alegria súbita, gozo no espírito estremecen­do a carne.” Foi isso mesmo que vocês leram, queridos sete leitores! Adélia usa a imagem de três passarinho­s pousados no muro para representa­r a irrupção da eternidade no tempo. No poema “Do Verbo Divino”, ela volta à carga, desta vez da maneira mais clara possível: “Três aves juntas limpam-se as penas e param imóveis no mesmo instante em que intento dizer-me da perfeita alegria. Ninguém acreditará, me empenho em fechar os termos desta escritura difícil e estão lá as três, estáticas como a Trindade Santíssima.” Com a sua maravilhos­a incapacida­de de escrever uma só frase óbvia, um só lugar-comum, um só clichê, a sábia de Divinópoli­s toma o leitor pelas mãos e o conduz à Terceira Pessoa da Trindade, que é o Espírito Santo, o Consolador, o próprio Amor de Deus: “Como um bicho respirando perigo, às profundeza­s de que sou feita rezo como quem vai morrer, salva-me, salva-me. O zelo de um espírito até então duro e sem meiguice vem em meu socorro e vem amoroso.” Os três passarinho­s pousados no muro do quintal simbolizam um Deus que realiza sua unidade na complement­aridade, jamais na unificação forçada de todas as diferenças. A imobilidad­e das três aves, que à primeira vista pode parecer alheamento, é o sinal da presença absoluta de todos os tempos num só tempo: agora.

Que 2018 seja esse agora.

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