DISCRIMINAÇÃO?
Homens que fazem sexo com outros homens não podem doar por 12 meses após a última relação sexual
STF retoma amanhã julgamento sobre normas que proíbem homens homossexuais e bissexuais de doarem sangue por 12 meses após a última relação sexual
OSTF (Supremo Tribunal Federal) está debatendo as normas do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que proíbem homens homossexuais e bissexuais de doarem sangue por 12 meses após a última relação sexual. No dia 19 de outubro, em sessão que teve sustentação oral de nove advogados favoráveis à causa, o relator, ministro Edson Fachin, votou pela inconstitucionalidade das regras seguidas pelo País em relação ao assunto. A sessão foi suspensa em função do adiantado da hora. O julgamento será retomado na quarta-feira (25), quando devem votar dez ministros.
O julgamento foi motivado por uma ação do PSB, protocolada em junho do ano passado. A ação questiona a validade das normas do Ministério da Saúde e da Anvisa que “dispõem sobre a inaptidão temporária para indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo realizarem doação sanguínea nos 12 meses subsequentes a tal prática”. Segundo a procuradoria, as resoluções e portarias que criaram regras para doação de sangue por homossexuais são discriminatórias.
Em seu voto, o relator entendeu que as normas não podem excluir homossexuais de exercerem sua cidadania ao doarem sangue. Segundo Fachin, a exclusão preventiva de qualquer grupo de pessoas é inconstitucional. Além disso, o controle de qualidade do sangue deve ser feito por exames adequados, e não com base na orientação sexual, segundo o ministro. “O estabelecimento de grupos e não conduta de risco incorre em discriminação, pois lança mão a uma interpretação consequencialista desmedida, apenas em razão da orientação sexual”, afirmou o ministro.
Conforme dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), foram notificados no Brasil 90.516 novos casos de HIV entre homens no Brasil, de janeiro de 2012 a junho de 2016. Deste total, 68,9% são relativos a homens que se declararam heterossexuais, 24,5% são homossexuais e 6,4% são bissexuais.
“É uma medida discriminatória e sem embasamento científico”, afirmou Patrícia Gorisch, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e responsável por uma das sustentações orais que antecederam o início do julgamento. O instituto atuou como “amicus curiae” na causa. Esse instituto referese à possibilidade de manifestação da sociedade civil por meio de instituições que efetivamente expressem valores essenciais e relevantes e possam oferecer subsídios para o julgamento das ações cujo objetivo é democratizar o controle concentrado da constitucionalidade de leis federais.
Segundo ela, as normas da Anvisa e do Ministério da Saúde pressupõem que todos os homossexuais ou bissexuais são promíscuos, independentemente do fato de terem relacionamentos monogâmicos, por exemplo. “A promiscuidade existe também entre héteros, é uma condição da pessoa e não da orientação sexual. Não à toa a Cruz Vermelha Internacional mandou suprimir essa regra em vários países”, disse.
Ela lembrou, na fala ao STF, que a proibição de doação de sangue por gays e bissexuais masculinos, que poderia ser considerada razoável e justificável diante do pânico e desconhecimento sobre a doença na década de 1980 (e sua forma de transmissão à época em que foi descoberta), “não mais se justifica sob a ótica de proteção de saúde pública nos dias atuais”. “A questão tem que ser debatida na anamnese com o doador de sangue, seja ele hétero, homo ou bi. Não se pode fazer homofobia e bifobia sob chancela do Estado, que deveria proteger as pessoas”, criticou. A advogada ressaltou que apenas 2% dos brasileiros são doadores de sangue, quando a OMS (Organização Mundial de Saúde) preconiza que o índice aceitável seria de no mínimo 3%.
A proibição também provoca o desrespeito de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o reconhecimento da ONU (Organização das Nações Unidas), em 2011, de que os direitos LGBTI são direitos humanos. “Ao tentarem doar sangue, homossexuais e bissexuais se sentem um li- xo”, enfatizou ela, que sentiu empatia dos ministros que ainda vão votar à causa. “O voto do Fachin foi lindo, ele destacou a simbologia do sangue como metáfora da nossa humanidade. Acho que teremos votos suficientes”, declarou.
Em nota, o Ministério da Saúde nega discriminação e diz que os critérios para seleção de doadores de sangue “estão baseados na proteção dos receptores, visando evitar o risco aumentado para a transmissão de doenças”. A restrição, diz, atende a recomendações da OMS “e está fundamentada em dados epidemiológicos presentes na literatura médica e científica, não tendo relação com preconceito do poder público”. A pasta cita indicadores que apontam que homens que fazem sexo com homens apresentam maior prevalência de infecção por HIV em relação à população em geral —10,5%, ante taxa geral de 0,4%.
Já a Anvisa afirma que “as normativas brasileiras consideram vários critérios de inaptidão de doadores de sangue associados a diferentes práticas e situações de risco acrescido”. Defende ainda que as regras não excluem homens que fazem sexo com outros homens de doarem sangue, “desde que atendam aos requisitos de triagem clínica”.(Com