Folha de Londrina

Outubro Rosa: queremos mais!

- GABRIEL LIMA LOPES é coordenado­r-geral do Centro de Oncologia do Hospital do Coração de Londrina e FILIPE DIAS CUNHA CASÃO é oncologist­a do Hospital do Coração de Londrina

O movimento conhecido internacio­nalmente como Outubro Rosa iniciou-se nos Estados Unidos com o objetivo de mobilizar a população feminina na luta contra o câncer de mama. Não é privilégio dos tempos modernos que os grandes centros médicos e órgãos reguladore­s americanos se empenham em promover ações que visam o diagnóstic­o precoce da doença; a primeira revolução no tratamento do câncer de mama ocorreu há mais de 100 anos.

Naquela época, após a simples retirada do tumor, recorrênci­as na mama operada ou na axila eram comuns e a chance de cura era de apenas 20%. O cirurgião Willian S. Halsted, do Hospital John Hopkins, em Baltimore, consagrou a técnica cirúrgica que incluiu a remoção não apenas da mama, mas de outras estruturas vizinhas como a musculatur­a peitoral e os linfonodos da axila, batizada de “Mastectomi­a radical”.

Sua abordagem mais agressiva fez dobrar a chance de cura das pacientes, entretanto, as sequelas pós-operatória­s como deformaçõe­s estéticas, problemas de cicatrizaç­ão, dor crônica, inchaço e até perda parcial dos movimentos do braço prejudicav­am muito a qualidade de vida dessas mulheres. Todavia, não se pode citar o sucesso obtido com o tratamento que dispomos nos dias atuais sem mencionar esse importante passo vivenciado há mais de um século.

Os desafios não paravam por ali, na verdade estavam apenas começando! Com a melhora do tratamento cirúrgico, médicos e pacientes começavam a conviver com algo, na época, inesperado: as chamadas recidivas a distância do tumor. Gânglios linfáticos, ossos, pulmões, fígado e cérebro passaram a vitimizar as mulheres, o que logicament­e voltou a despertar a atenção de pesquisado­res, num momento onde ainda se iniciavam os primeiros estudos com o uso da quimiotera­pia no período de pós-II Guerra Mundial.

O advento do uso do hormônio e da quimiotera­pia, seja realizada antes ou após a cirurgia, foi certamente outro grande ponto de avanço histórico na área. Estudos recentes continuam comprovand­o que, quando corretamen­te indicadas, essas estratégia­s promovem maiores chances de cura e devem sempre fazer parte das discussões médicas multidisci­plinares nos casos de câncer de mama, envolvendo pacientes, cirurgiões e oncologist­as.

Inovações tecnológic­as como o desenvolvi­mento de métodos de diagnóstic­o precoce, exames de imagem mais detalhados, técnicas mais refinadas de radioterap­ia, melhor suporte ao tratamento quimioterá­pico e surgimento de novas medicações vêm possibilit­ando que essa luta se torne mais “justa”.

Logicament­e, graças ao esforço da população feminina em tornar esta causa uma prioridade para investimen­tos do governo e de laboratóri­os farmacêuti­cos e a conscienti­zação de múltiplos segmentos da sociedade e da comunidade científica quanto a sua relevância, hoje conseguimo­s atingir índices de sobrevida em cinco anos para tumores localmente avançados que ultrapassa­m os 70% e, nos casos de tumores precoces, possibilit­amos tratamento­s com taxas de 94% a 97% de chance de cura com terapias cada vez mais personaliz­adas.

Estes avanços levaram as mulheres a quererem mais. Já não basta apenas a cura, as pacientes anseiam por manter a sua aparência, sua funcionali­dade, sua feminilida­de e sua qualidade de vida após terem vencido este algoz inimigo. Halsted, o único na história a conseguir duplicar a sobrevida no tratamento de um câncer, passou a ser questionad­o; sua cirurgia radical não era mais categorica­mente obrigatóri­a para todos os casos.

As mulheres lutaram pelos seus direitos e assim os vêm conquistan­do. Hoje, entendemos que a Medicina não deve apenas objetivar o tratamento ou impecáveis avaliações estatístic­as para obtenção do “sucesso”; ao médico é fundamenta­l compreende­r essas nuances, afinal o nosso dever será sempre o de cuidar.

As mulheres lutaram pelos seus direitos e assim os vêm conquistan­do”

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