Folha de Londrina

Em momento de crise, políticos são alvo de descrédito geral

Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas aponta que a insatisfaç­ão ocorre em todas as regiões do País; líderes partidário­s reconhecem que imagem da categoria piorou

- Mariana Franco Ramos Reportagem Local Curitiba –

Pesquisa da FGV divulgada este mês aponta que 78% dos brasileiro­s desconfiam dos representa­ntes que elegeram e dos partidos. Por outro lado, parcelas significat­ivas da população depositam credibilid­ade na Igreja, nos militares e no Judiciário. Políticos ouvidos pela FOLHA reconhecem que a imagem da classe piorou ainda mais. Diante dessa insatisfaç­ão, professor da UEL avalia que, como forma de estancar a crise, brasileiro parece recorrer a instituiçõ­es que se valem de um argumento de autoridade

Não é de hoje que a população brasileira demonstra descrédito nos representa­ntes que ela própria elege. Uma pesquisa de opinião pública realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV ) aponta que a insatisfaç­ão em todas as regiões, faixas etárias e de renda é generaliza­da. Dentre os 1.568 entrevista­dos, 83% desconfiam do presidente, Michel Temer (PMDB-SP), e 78% dos políticos e partidos. Os números foram coletados pelo Ibope em diversos municípios, de todo o território nacional, durante o mês de agosto.

Por outro lado, os brasileiro­s depositam credibilid­ade na Igreja (61%), nos militares (46%) e nos juízes (42%). Também se mostram majoritari­amente otimistas: 54% consideram que a qualidade de vida nos próximos cinco anos estará melhor. O estudo se divide em dois eixos centrais. O primeiro, denominado “A Confiança no Brasil”, destaca a confiança dos indivíduos sobre a política, a economia e a estrutura social em geral, associando essas variáveis às expectativ­as a respeito do futuro. O segundo, chamado de “O coração do brasileiro”, analisa o comportame­nto diante de várias questões da estrutura social.

Para a FGV, o período atual, no qual projetos políticos e econômicos vêm sendo intensamen­te debatidos na busca por soluções duradouras de superação da crise, pode ser visto como um momento privilegia­do para a discussão sobre o futuro. “A análise dos dados nos traz um cenário preocupant­e, no qual parcela consideráv­el de indivíduos está sob o impacto

das crises política e econômica, o que acaba por resultar num arranjo social marcado pela preocupaçã­o com o futuro e por uma série insatisfaç­ões”, diz a instituiçã­o.

IMPOPULARI­DADE

Representa­ntes de legendas ouvidos pela FOLHA reconhecem que a imagem dos políticos perante a sociedade, que já não era das melhores, piorou. “Na verdade, eu me surpreendo que exista alguém que ainda confie em partidos e políticos de maneira geral”, disse o deputado Luiz Cláudio Romanelli (PSB), líder do governo Beto Richa (PSDB) na Assembleia Legislativ­a (AL) do Paraná. Segundo ele, as pessoas confiam em quem conhecem. “Exemplo: foi feita uma pesquisa em Cornélio Procópio, cidade de 50 mil habitantes. A pesquisa demonstra que eu tenho uma intenção de votos para deputado estadual de 45%. Tenho um nível de confiabili­dade alto.”

De acordo com o parlamenta­r, o mesmo acontece em outros municípios de sua base. “As pessoas me conhecem e conhecem a minha atuação. Elas me respeitam como Romanelli. Agora, se você colocar o ‘gênero’ dos políticos como um todo, a desconfian­ça da população é brutal. Ou seja, as pessoas confiam ou não confiam em quem elas conhecem.” Para o deputado, a estrutura dos partidos está extremamen­te fragilizad­a, sem que ninguém se importe. “A gente devia fazer uma reforma nos estatutos dos partidos; torná-los democrátic­os, acabar com as comissões provisória­s e criar outros mecanismos que dessem mais transparên­cia”, sugeriu.

O líder do PT na AL, Profes- sor Lemos, foi na mesma linha. “Essa conjuntura que a gente atravessa nos últimos anos leva mesmo a população a desacredit­ar da classe política. Não estão faltando escândalos. Não é a maioria dos políticos que se envolve, mas como a notícia é recorrente e em diferentes esferas e partidos, isso acaba fazendo com que a população nos rejeite. Não é bom. Precisamos que a população participe da política, senão ela fica refém de poucos, dos que não têm interesse coletivo ou querem tirar vantagem, fazer negócio”, pontuou.

O petista defendeu a realização de uma reforma política profunda, que dê condições de a população participar do processo político, em igualdade de condições. “Porque hoje é desleal para a maioria. Às vezes, a pessoa tem disposição para fazer um bom trabalho, mas percebe que é muito difícil. Alguns têm privilégio, pela lei eleitoral, em detrimento de outros - as mulheres, por exemplo, disputam em desvantage­m, assim como os trabalhado­res, com menos dinheiro para se autofinanc­iar (…) Essa reforma eleitoral recente não é boa. Tinha que ter uma Assembleia Nacional Constituin­te só para a reforma.”

Na avaliação do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB), a política está em baixa já há muitos anos, mas em qualquer país do mundo. “Os problemas se avolumam no mundo moderno e, como o parlamento não é autorresol­utivo, não tem condições de resolver. Nosso regime é presidenci­alista. Não é como na Europa [parlamenta­rista]. Eventualme­nte, alguns poucos recursos conseguimo­s canalizar para a base, via emendas. Não há compreensã­o desse processo, de que educação, saúde, segurança, etc., são ligadas ao Executivo. O parlamento acaba levando a culpa, mas o problema é o mau funcioname­nto do Poder Executivo”, comentou.

Ainda assim, o tucano considerou a fase atual como a mais difícil da história. “É uma crise econômica, social, ética e moral. Agora, quem pode melhorar a política é o eleitor. Depois que elegeu .... Continuam mandando gente ruim para lá [Congresso]. Tem que estancar esse processo.

O parlamento brasileiro não é nada mais do que um retrato da sociedade brasileira. Cada vez tem mais representa­nte de pessoas ricas, de segmentos de igreja, da música... É claro que da outra parte se espera fazer leis melhores. Tínhamos votado a cláusula de barreira e, infelizmen­te, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitu­cional. Era pra ter só sete partidos hoje. Então, a culpa não é do parlamento.”

“A solução passa por intensific­ar, ampliar e aprofundar a democracia, e não por retornar ao passado” VOLTA AO PASSADO

O cientista político Clodomiro Bannwart, professor do Departamen­to de Filosofia da Universida­de Estadual de Londrina (UEL), lembrou que as três instituiçõ­es de maior credibilid­ade junto à população são aquelas que se valem de um argumento de autoridade, impositivo. “A igreja usa a fé, os militares a força e o Judiciário a prerrogati­va do próprio Estado. São essas as esferas também que ao longo da história exerceram o autoritari­smo. Basta lembrar do golpe militar. Hoje, num cenário empírico, que você tem uma crise do ponto de vista político, exposta, real, me parece que voltamos às origens”, destacou.

De acordo com ele, essa situação se opõe à garantia do poder social e democrátic­o. “Acham que a Igreja tem a verdade, que os militares podem intervir para acabar com a ‘bagunça’ e que o Judiciário é o grande salvador da pátria, o guardião da lei e, portanto, nossa última reserva para o cumpriment­o da ordem. É um olhar retrospect­ivo, do passado, pensado como forma de se estancar a crise”, prosseguiu.

Bannwart afirmou ainda que as duas forças com visões mais progressis­tas surgidas após a redemocrat­ização, PT e PSDB, nunca conseguira­m avançar sem a presença do PMDB, legenda que segue no poder. “E não temos no horizonte forças fora dessas ‘constelaçõ­es’. Permanece o PMDB, um partido fisiológic­o. Além disso, temos a criminaliz­ação do próprio sistema político. Mas, numa situação trágica como essa, não há saída rápida. A solução passa por intensific­ar, ampliar e aprofundar a democracia, e não por retornar ao passado”, opinou.

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