Presunções conflitantes
Durante tudo o que se deu do mensalão para cá nada se firmou tanto como fundamento da defesa do que a “presunção de inocência” levada ao altar da verdade revelada. Como ela incidia nas relações promíscuas do público-privado, se tornava difícil sua aceitação porque as partes envolvidas praticavam aberto gangsterismo. Assim mesmo, diante da comprovação rigorosa dos desvios, a atoarda prosseguia: o fundamento básico do direito desprezado.
Pois agora se dá uma situação curiosa com a decisão do ministro Edson Fachin de transferir o caso do exdeputado Rocha Loures à primeira instância com seus advogados alegando que ele, como Batman e Robin, o Gordo e o Magro, Fantasma e o pigmeu Guran, Zorro e Tonto (me inclua fora dessa, relinchou o cavalo Silver), se liga nos episódios em tal conexão com o presidente Michel Temer, tido como o destinatário da mala, que o processo não pode e nem deve ser seccionado. Só falta sugerir que o simples processamento do assessor geraria um novo tipo de suspeição, agora um clima de culpa ou indutor a isso contra o chefe da Nação.
Muita acrobacia jurídica dá nisso, os conceitos não se ajustam, epistemes se batem em meio aos cambotes. Aliás, um episódio menor aqui, também grave, aquele do Anexo do Tribunal de Contas, em que houve o flagra do ganhador da concorrência dando R$ 200 mil a um hierarca da Corte, teve um andamento inusitado com uma câmara criminal do Tribunal de Justiça anulando e por unanimidade, como obtida irregularmente a gravação telefônica e, consequentemente, o processo. Como o Direito é necessariamente ritualístico, se a demanda não tivesse continuidade seria o caso de refazer a cena do flagra, agora em sentido contrário, com o funcionário devolvendo os 200 paus ao empresário (até porque a licitação não valeu), tudo devidamente solenizado e ungido com a aura da Justiça e estaríamos, como diz o vulgo, conversados e acertados.
Se a licitação não houve, o crime está elidido e como a mala foi devolvida à autoridade que a filmou no ato de entrega proceder-se-ia a solenidade de devolução à JBS e tudo se ajustaria. E mais um dia circense fluiria com a maior naturalidade no país que temos, não o que queremos.