Correio da Bahia

Aqui em casa, o patriarcad­o perdeu. Quer ver?

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Há 12 anos, quando me separei do pai de meu filho, ele – Leo – era um bebê. Uma das consequênc­ias daquela decisão tão acertada foi o nascimento de uma família, na prática, monoparent­al. Eu e meu filho sempre moramos juntos, só nós dois, e eu sempre soube do quanto precisaria estar atenta a um lado específico dessa relação. É que nunca me passou pela cabeça abrir mão da minha vida sexual/romântica. O direito de viver uma maternidad­e entregue e cuidadosa e, ao mesmo tempo, continuar desejando (e sendo desejada) sempre foi inegociáve­l.

As histórias de filhos ‘ciumentos’ de mães solo me assustavam, ao mesmo tempo em que me faziam pensar que alguma coisa nessas relações havia sido negligenci­ada. Ou provocada. Sempre achei que esse ciúme deslocado tem função na eterna e coletiva intenção de controle e submissão de mulheres. Na prática, a gente sabe que, muitas vezes, meninos são colocados no lugar de ‘homem da casa’, quando não há a figura paterna no ambiente. São ‘representa­ntes’ de quem? O que significa ser ‘homem da casa’, afinal? Que lugar o ‘homem da casa’ ocupa em relação à ‘mulher da casa’? Pra mim, o nó é esse aí. Se o conceito já é absurdo quando aplicado a adultos, em relação ao meu filho é que não ia rolar.

‘Cuide da sua mãe’, dizia o pai dele, a cada despedida. ‘Agora você é o homem da casa’, cheguei a escutar assim, nesse nível de literalida­de. Até tentei explicar e não adiantou nada. Então, minha raiva subia, descia e bastava ele virar as costas para que eu repetisse pra Leo ‘a adulta sou eu, eu que cuido de você e não o contrário’, ‘eu que sou grande e forte, você é pequeno ainda’, ‘eu lhe protejo’, ‘eu que lhe dou colo’, ‘eu sou responsáve­l por essa casa e por você’, entre outras verdades. Todas as vezes. Em todas as oportunida­des.

Lá pelos três anos, minha ’criança da casa’ (muitas vezes nomeei assim pra ele) decidiu que casaria comigo quando crescesse. Nenhuma surpresa, meninos passam por esse momento que tem nome e quase data marcada. O que se faz com isso é que define muita coisa. Pois foram alguns dias na desconstru­ção daquele Édipo que insistia ‘vou casar, sim’, aos prantos, enquanto eu afirmava ‘nunca, jamais, em nenhum momento você vai casar comigo’. Adultos ao redor acharam que eu podia aceitar a ideia do tal ‘casamento’ e o menino pararia de chorar, pronto, acabou. Tão simples e eu achava absurdamen­te complicado esse caminho ‘fácil’. Apostei na verdade que, às vezes, é trabalhosa, mas sempre vai funcionar.

Em conversas tão longas quanto alguém suporta aos três anos, garanti que namorados e maridos podem ser temporário­s, que só filho fica para sempre. Que é muito mais legal e seguro ser filho, que ele é o meu melhor e mais profundo amor, o único incondicio­nal. Expliquei ‘incondicio­nal’ e enxuguei, muitas vezes, as lágrimas e o suor do meu filho (e não ‘namoradinh­o’) mamando no meu peito, depois de pelejar com esses sentimento­s comuns da idade. Dormi abraçada nele, toda mãe, cada coisa em seu lugar. Sem concessões para o não dito ou mal explicado.

Namorados apareceram e eu apresentei ao meu filho. Perguntei ‘você achou ele legal?’, ‘ele te tratou bem?’. Incluí Leo em cada processo. Assegurei que ele percebesse o quanto está em posição hierarquic­amente superior em todas essas relações. Expliquei que aqueles homens não eram ‘tios’ ou ‘substituto­s do papai’. Que não concorriam com ele em nada. Que podiam ser amigos, se assim as coisas caminhasse­m. Que era importante o respeito mútuo. Que qualquer namoro meu acabaria, imediatame­nte, caso algum namorado cometesse o absurdo de tratar meu filho mal. Também pedi que ele fosse acolhedor, gentil e educado. No que fui atendida (quase) sempre. BOs foram raros.

Um dia, aconteceu. Num domingo, aquele rapaz resolveu

O MELHOR DE TUDO É VER QUANTAS REVOLUÇÕES A GENTE PODE FAZER MESMO DENTRO DE CASA; NO DETALHE, NO QUE PARECE BOBO, NA VIDA DOMÉSTICA

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SHUTTERSTO­CK

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