Detran vira alvo de nova operação
Crime Fraude em licitação deu prejuízo de cerca de RS 19 milhões a órgão, segundo Polícia Civil
“Nós lutamos muito pelo fim da Escola Pública de Trânsito devido à forma como ela funcionava, de forma aleatória. Nós sentimos muito pelo o que tá acontecendo, ninguém gosta de ver essa situação, mas já era previsto”, desabafa um dono de autoescola sobre a Operação Mão Dupla, deflagrada ontem pela Policia Civil. A ação investiga fraudes em licitação do Departamento Estadual de Trânsito da Bahia (Detran) que contratou uma fundação para prestar serviços de educação no trânsito em escolas públicas. O dinheiro desviado estimado pelos investigadores é de cerca de R$ 19 milhões.
Essa licitação foi feita em 2016, por meio da Escola Pública de Trânsito (Eptran), criada com o objetivo de facilitar o acesso a primeira habilitação de pessoas de baixa renda.
A investigação fez com que, em menos de 15 dias, o Detran estivesse novamente no centro de operações policiais na Bahia. Depois da que revelou o Cartel das Placas (veja boxe), agora foi a vez da Mão Dupla, que cumpriu 11 mandados de busca e apreensão envolvendo quatro pessoas, quatro empresas e duas fundações de direito privado. O nome dos envolvidos não foi divulgado. Diversos materiais foram apreendidos, inclusive quantias em dinheiro e cheque que totalizaram aproximadamente R$ 80 mil reais, segundo os investigadores.
A operação foi coordenada pela delegada Fernanda Asfora, que lidera o setor de combate a corrupção e lavagem de dinheiro do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) da Policia Civil. “Não há nenhuma relação dessa operação com a anterior, que inclusive foi do Ministério Público da Bahia (MP-BA)”, garantiu.
Segundo Fernanda, as investigações se iniciaram a partir de uma denúncia de irregularidades no processo. “Houve uma análise apurada do processo licitatório em questão, bem como de toda execução do contrato. A partir disso, foram encontrados diversos indicativos de fraudes, inclusive de que essa fundação tinha sido contratada de fachada, pois ela não tinha servidores no seu quadro, só dois funcionários. Ela não tinha condição nenhuma de executar o contrato”, explica.
No contrato, segundo os investigadores, estava previsto a execução de atividades educativas em escolas públicas na capital e interior, inclusive com a necessidade de ministrar aulas de educação no trânsito nesses lugares. “(A empresa) Não tinha porte físico e tampouco quadro de funcionários. O serviço era volumoso, envolvia professores, confecções de materiais, ida em escolas públicas. Tudo acabou sendo realizado de forma deficitária, mas não pela fundação que foi contratada. Ela subcontratou pequenas empresas que fizeram essa prestação de serviço, o que era expressamente vedado no contrato”, diz Fernanda.
Os indicativos mostram que as empresas subcontratadas eram usadas para fazer os repasses das verbas pagas pelo Detran para os agentes envolvidos na fraude, segundo a polícia. “Foram repassados valores mensais em torno de R$ 605 mil durante os três anos. E ao final houve o repasse de 19 milhões, o que possivelmente se deu de forma irregular”, afirma a delegada. A apuração da Polícia Civil revelou também a participação de ex-dirigentes do Detran-BA e de outros agentes públicos ligados ao órgão. Há ainda indícios de lavagem de dinheiro.
Ainda segundo os investigadores, o contrato assinado só foi executado até 2019, quando foi suspenso pela descoberta de possíveis fraudes no processo licitatório e execução. O ano de 2019 foi também o mesmo que o Detran suspendeu o funcionamento da Eptran após recomendação do MP-BA e parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), que se manifestaram contrários à realização dos cursos oferecidos pela escola, para a formação e capacitação de condutores. Em nota, o Detran disse que colabora com a investigação.
AUTOESCOLAS
Para os donos de autoescola, os prejuízos gerados pela Eptran não se resumiram apenas às questões licitatórias, mas também à forma como o órgão atuava. “Lá não eram pessoas de classe social baixa que tiravam a carteira. Tinha gente importante que passava por lá. Nem sabemos falar o quanto nós perdemos com isso, pois foi muito prejuízo. Muitas pessoas deixavam de se matricular numa autoescola”, revela Obi Soares, dono da Autoescola Nota 10.
”A Eptran tinha um papel social que não era bem cumprido. Anunciava muitas vagas e não chamava todas as pessoas, que ficavam na fila e acabavam não tirando a carteira. Se o Detran solicitasse uma parceria conosco [para atuarmos nas escolas], iríamos fazer um trabalho bem melhor”, diz Rogerio Santos, dono da autoescola Santo Sé.
Em nota, Wellington de Oliveira, presidente do Sindicato das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores da Bahia (Sindauto Bahia), disse que já apresentou ao Detran um projeto de CNH Social a fim de regularizar e ampliar o alcance desta iniciativa para todo estado. “Ressaltamos que o sindicato não é contra a iniciativa social, mas, sim, ao seu desvio de finalidade e destinação”, diz.