“POLÍCIA FOI OBRIGADO A CORRER DESCALÇO SOBRE PEDRAS ESCALDANTES”
CATIVEIRO Primo era comissário da polícia portuguesa e foi castigado por fugir do campo SAUDADE Nasceu em Goa, mas nunca mais viu a sua terra
Carmo Garcez nasceu em Goa e é português de alma e coração. Foi para a tropa em setembro de 1959, e no dia da invasão do território pela União Indiana, a 18 de dezembro de 1961, estava na cidade de Vasco da Gama.
“Estava de prevenção quando os aviões começaram a passar, mas não podíamos fazer nada porque as nossas balas caíam a 15 ou 20 metros. Senti muita raiva por não os poder enfrentar, mas não tínhamos material bélico adequado.” Os portugueses eram poucos e mal armados, perante um inimigo que entrava por terra, ar e mar. Os aviões passavam, picavam e bombardeavam. “Eles entraram com tudo e nós não disparámos um único tiro”, lembra Carmo, 60 anos depois da invasão, com a humilhação que sentiu ainda bem presente na memória. “O Salazar queria que lutássemos, mas éramos 3500 contra 45 mil. Era uma coisa impossível.”
Fugia do campo para ver a mãe
À medida que o inimigo se aproximava, os portugueses tentavam inutilizar o pouco equipamento que tinham. “Destruímos as armas todas, partimos tudo, até os jipes”, recorda Carmo que recebeu ordem para marchar para o campo de prisioneiros de Alparqueiros, em Vasco da Gama. “Só quem foi prisioneiro de guerra é que sabe o que passámos”, recorda, descrevendo o acontecimento que mais o marcou: “O meu primo Vasco Duarte, comissário da polícia portuguesa, foi castigado por ter fugido do campo e obrigado a correr, descalço, sobre pedras escaldantes. Ficou com as plantas do pés ensanguentadas.”O cativeiro durou cinco meses e Carmo escapou por quatro vezes para visitar a mãe “Era muito arriscado, eles faziam a contagem e tinha de regressar no mesmo dia.” Viajou no último avião, em maio de 1962, com a mãe. Lamenta profundamente nunca mais ter voltado a Goa.