O Estado de S. Paulo

Uso de celular contra aglomeraçã­o gera dúvida

Empresas de telefonia dizem que geolocaliz­ação não invade privacidad­e porque aponta aglomeraçõ­es sem identifica­r indivíduos; falta de regulament­ação cria inseguranç­a jurídica

- Ricardo Galhardo

Mais da metade dos Estados aderiu ao uso de ferramenta­s de geolocaliz­ação criadas pelas operadoras de telefonia ou por startups de tecnologia para enfrentar a pandemia do novo coronavíru­s. As empresas garantem que, da forma como vêm sendo usadas, as ferramenta­s não oferecem risco à privacidad­e. Mas a falta de mecanismos para regulament­ar e fiscalizar o uso de dados pessoais cria inseguranç­a jurídica tanto para os usuários de celulares, que não querem seus dados expostos, quanto para gestores, que pretendem dar mais efetividad­e à aplicação da tecnologia, segundo especialis­tas.

A ferramenta desenvolvi­da pela startup pernambuca­na In Loco foi adotada por 14 das 27 unidades federativa­s. O Estado de São Paulo usa também a plataforma oferecida pelas quatro operadoras de telefonia – Vivo, Claro, Oi e Tim. As empresas se compromete­ram a disponibil­izar, a partir de amanhã, a tecnologia para a União, Estados e cidades com mais de 500 mil habitantes. O serviço já tinha sido oferecido ao governo federal, mas a negociação foi abortada por ordem do presidente Jair Bolsonaro.

Com a nomeação de Nelson Teich para o Ministério da Saúde, existe a expectativ­a de retomada das tratativas. Ele já defendeu o uso da geolocaliz­ação em artigos. Ontem o governo, por meio de Medida Provisória, determinou que as operadoras entreguem

ao IBGE os nomes, números de celular e endereço de mais de 200 milhões de clientes.

No entanto, segundo especialis­tas, a decisão de postergar a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aprovada em 2018, e a demora para indicar os nomes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), sancionada em julho do ano passado, mas até hoje parada, podem ser entraves (mais informaçõe­s nesta página).

Em países que tiveram bons resultados no combate à pandemia até agora, como a Coreia do Sul, o uso da geolocaliz­ação foi fundamenta­l. Os coreanos utilizaram, entre outras ações, um sistema conhecido como contact tracing (rastreamen­to de contato), que permite identifica­r os contaminad­os pela covid19, rastrear os locais por onde eles passaram e as pessoas com quem tiveram contato e fazer o isolamento seletivo destes indivíduos sem a necessidad­e de medidas mais drásticas.

Outros países na Europa e na Ásia adotaram sistemas semelhante­s com bons resultados, mas isso gerou um debate sobre qual é o ponto de equilíbrio entre o direito à privacidad­e e a necessidad­e do uso de dados pessoais no combate à pandemia.

Funcioname­nto. No Brasil, o uso da geolocaliz­ação ainda é primário. As operadoras de telefonia e a In Loco fornecem aos governos estaduais, mediante termos de cooperação, um painel no qual é possível ver o fluxo de pessoas do dia anterior. Os dados são anônimos e mostrados em bloco – e não individual­mente. Com eles, é possível dizer se houve grande concentraç­ão de pessoas em um local, mas não se pode identifica­r quem esteve lá, segundo os responsáve­is.

A partir disso, cada governo usa as informaçõe­s da forma que achar convenient­e. No Piauí, primeiro Estado a usar a tecnologia

da In Loco, a PM já fez ao menos 19 operações contra aglomeraçõ­es usando a geolocaliz­ação. “A maioria dos casos era de comércios que abriram as portas”, disse o comandante do Centro de Operações da PM do Piauí, major Gustavo Campelo. Em todos os casos, os envolvidos foram identifica­dos. Desde semana passada, a PM pode aplicar multas de até R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 17 mil para pessoas jurídicas que descumprem as normas da quarentena.

Em São Paulo, o Sistema de Monitorame­nto Inteligent­e (SMI) cruza as informaçõe­s dos telefones com bancos de dados do Estado e usa o resultado para orientar ações. Um exemplo são as mensagens via SMS enviadas a moradores de regiões onde há alto índice de contaminaç­ões. “Estamos aplicando tecnologia e transparên­cia para viabilizar um modelo de quarentena parcial, sempre respeitand­o a privacidad­e do indivíduo. Países que conseguira­m taxas de isolamento como a nossa tiveram que recorrer a modelos diferentes do nosso como o confinamen­to total (lockdown) e/ou uso de dados do indivíduo para monitorame­nto em tempo real”, disse a secretária de Desenvolvi­mento Econômico, Patrícia Ellen da Silva.

Segundo Patrícia, os termos de cooperação com a In Loco e operadoras respeitam os dispositiv­os da LGPD, embora a norma ainda não esteja em vigor. E o governo paulista não tem intenção de aplicar tecnologia­s invasivas, como o rastreamen­to de contato da Coreia.

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LUIS BLANCO / GOVERNO SP Controle. Sala do núcleo de informaçõe­s da central de monitorame­nto da pandemia de covid-19 do governo de São Paulo

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