OSWALDO KAPINÂLA* XEQUE MATE DE JLO: A NECESSIDADE DE AJUSTE CONSTITUCIONAL
Otema da revisão constitucional há muito que tem pintado o debate académico, social e político, sendo este último o preponderante nas manobras e dinâmicas da opinião pública.
A nossa história constitucional é marcada por grandes metamorfoses, influenciada por factores inerentes à forma de organização social, à mudança de paradigmas e à busca permanente de consensos.
Sendo um Estado de Direito e Constitucional, o conjunto de princípios e normas jurídicas (as mais importantes) são plasmadas num documento escrito que define a estrutura, fins e funções do Estado e consagra direitos e deveres fundamentais dos cidadãos; documento este que inclitamente chamamos por Constituição da República de Angola, vulgo CRA de 2010, e constitui o “instrumento jurídico do político”.
Desde a sua aprovação e promulgação, em 2010, já se passaram, sensivelmente, 11 anos desde a sua entrada em vigor e, durante este período, várias têm sido as individualidades que se têm levantado para a necessidade de revisão constitucional, com grandes ou pequenos fundamentos que, entretanto, mais facilmente se atrelam a debates politico-partidarizados do que a debates jurídico-constitucionais, uma vez que, partem da errónea sensação segundo a qual “a CRA é atípica”, numa perspectiva de “banalizar” o texto constitucional, esquecendo-se que um texto constitucional não se traduz num “copy past” de outras realidades, mas numa engenharia própria que traduz o modelo de sociedade de um povo.
O texto constitucional não é imutável. Enquanto organismo vivo, a Constituição está em constantes movimentos e é influenciada pela dinâmica da realidade factual. Via de regra, são e devem ser elaboradas com a possibilidade de poderem ser modificadas, pois, a sociedade é tão dinâmica que, supervenientemente, surgem situações em que o referido texto se torna um obstáculo para o esperado funcionamento do sistema, pelo que, ele em si clama por costuras e remendos, podendo caminhar para as chamadas reformas ou mutações constitucionais.
Ora, no dia 2 de Março, com alguma surpresa (na medida em que ninguém esperava), na 2.ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros, Sua Excelência Presidente da República, João Lourenço, nos termos do artigo 233.º da CRA, decidiu revelar publicamente que usará os poderes que lhe são reservados, em termos de iniciativa de revisão da Constituição, “uma medida que não constava da sua agenda de governação ou até então desconhecida”, salvo melhor opinião.
Sendo assim, questionámos em que moldes se irá operar essa revisão constitucional, na medida em que se pretende realizar ajustes pontuais.
Antes de tudo, vale destacar que a nossa CRA, como toda e qualquer constituição moderna, adota mecanismos de autoconservação, para evitar situações de ruptura constitucional, por isso, consagrou limites de revisão, que não são facilmente contornados pelo legislador, sendo de observância cumulativa (formais, materiais, circunstancias e temporais):
i. Limites formais – os referentes à iniciativa, na qual remete a competência ao Presidente da República ou a 1/3 dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções, nos termos do artigo 233.º, bem como os referentes ao procedimento da sua aprovação, exigindo uma maioria de 2/3 dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções, nos termos do artigo 234.º;
ii. Limite material – constituído pelo chamado “núcleo intangível de identidade constitucional”, ou seja, o conjunto de matérias que não devem ser mexidas, por constituir a referência da mesma, nos termos do artigo 236.º;
iii. Limite circunstancial – refere-se aos Estados de excepção/ anormalidade Constitucional (guerra, emergência, sítio), momentos em que a CRA não poderá ser revista e nem alterada, nos termos do artigo 237.º;
iv. Limite temporal – é o período dentro do qual a CRA não pode ser revista, entretanto, ela pode ser a título:
a) Ordinário – período normal para a Assembleia Nacional rever a CRA, decorridos cinco anos desde a dada da sua entrada em vigor ou da sua última revisão, nos termos do n.º 1 do artigo 235.º;
b) Extraordinário – é o período extravasado para que, caso haja necessidade, a Assembleia Nacional assuma, a todo o tempo, poderes de revisão extraordinária, por deliberação de 2/3 dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções.
Em sede deste quesito é que se defende a rigidez da nossa Constituição, que não é pelo número de limites, mas pela disposição e operacionalidade dos limites previstos.
Todavia, não é pecado falar da admissibilidade de revisão no ano de 2021, porquanto se verificou o limite temporal (ordinário) de cinco anos desde a sua entrada em vigor (2010), houve/haverá formalmente uma iniciativa (pelo Presidente da República), bem como não há qualquer situação de excepção constitucional, por isso, estarão verificados os pressupostos para a revisão constitucional, que se espera parcial e pontual, uma vez que a entidade proponente fixará as prioridades que, em linhas gerais, constarão:
• O voto de cidadãos no estrangeiro – tem havido grandes ondas de contestações das comunidades angolanas no estrangeiro, por isso, pretende-se materializar o n.º 2 do artigo 22.º conjugado com o artigo 54.º, ambos da CRA;
• Independência do BNA – está em curso na Assembleia Nacional uma proposta de Lei Orgânica do Banco Nacional de Angola, nos termos do artigo 100.º, que o qualifica como entidade autónoma, eliminando situações de infra-ordenação em relação ao Titular do Poder Executivo;
• A Mecânica do Sistema de Governo (freios e contrapesos) – várias têm sido as vozes que defendiam a fiscalização política da Assembleia Nacional sobre o Executivo, dentro da matriz do sistema presidencialista, contrariando o acórdão n.º 319/2013 do Tribunal Constitucional que fixou jurisprudência sobre os artigos n.ºs 261.º, 269.º, 270.º e 271.º, todos do Regimento da Assembleia Nacional aprovado pela Lei n.º 13/12 de 2 de Maio, conjugado com o artigo 162.º da CRA.
• Eliminação do princípio do gradualismo – uma vez que o impedimento é de ordem constitucional (artigo 242.ª) e tendo o Presidente da República procurado o máximo consenso no processo de autarcização do País, sendo o ponto mais fracturante em sede do processo legislativo autárquico, culminará com a flexibilização do princípio;
• Institucionalização de período fixo para eleições – entendemos que passará por fixar a data (dia e mês) para a realização das eleições, com vista a evitar a discricionariedade na indicação das mesmas.
Uma outra questão que se coloca em torno desta matéria é a de saber se a Assembleia Nacional irá se limitar nestes pontos. Esta questão pode levar-nos a dicotomia continuidade vs descontinuidade.
Há continuidade constitucional quando uma ordem jurídicoconstitucional sucede, do ponto de vista jurídico e político, à ordem constitucional precedente, mediante a verificação dos limites de revisão constitucional. Há descontinuidade constitucional quando uma ordem nova resulta de uma ruptura com a ordem constitucional anterior.
Entretanto, tendo em conta a dinâmica política, bem como a estabilidade político-social, concluímos que a posição do legislador basear-se-á na continuidade constitucional, conservando seu núcleo intangível.
Entendemos que, embora se tratando de uma revisão parcial e pontual, a Assembleia Nacional não é obrigada a se limitar à pauta do Presidente da República, pois, existem outras questões fracturantes e de interesse nacional. Contudo, existe algo que se chama pacto de governação, assim, dada a distribuição dos assentos no Parlamento muito dificilmente haverão questões para além das que serão anunciadas pelo Presidente da República.
Tudo visto e ponderado, somos de opinião que o futuro texto constitucional reafirmará o Estado de Direito e Democrático, baseado na dignidade da pessoa humana, respeitando os limites constitucionais, outrossim, a presente iniciativa demonstra claramente o posicionamento do Presidente da República no processo de busca de consensos sobre matérias controversas e de interesse nacional.
Ora, no dia 2 de Março, com alguma surpresa (na medida em que ninguém esperava), na 2.ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros, Sua Excelência Presidente da República, João Lourenço, nos termos do artigo 233º