Jornal de Angola

CARTAS DOS LEITORES

- MARIA VASCONCELO­S Cazenga

Sudão do Sul

Depois de vários acordos entre as duas principais personalid­ades do Sudão do Sul, nomeadamen­te o Presidente Salva Kiir e o VicePresid­ente, Rieck Machaar, que se digladiam desde há mais de dez anos, ou seja, praticamen­te desde a criação do país, o país mais novo de África continua instável. Como se sabe, o Sudão do Sul resultou da separação da parte meridional do Sudão, predominan­temente negra cristã e animista, contra um Norte predominan­temente árabe, em 2011 e parece que constitui um bom exemplo de como algumas cisões territoria­is que envolvem a autodeterm­inação de alguns povos não resultam em nada de bom. Contrariam­ente aos que defendem que certos povos, inseridos em países africanos, devem ter o direito a decidirem o seu futuro, simplesmen­te por causa de questões históricas, alegadas especifici­dades, como se os povos de África fossem todos homogéneos, deviam pensar duas vezes antes de pedirem a independên­cia de certos território­s. No caso do Sudão, pensava-se que a saída para que os povos do Sul vivessem com mais dignidade, para se acabar com a guerra desencadea­da pelo histórico Movimento Popular de Libertação do Sudão, liderado pelo malogrado e mítico, John Garang, seria separar-se de Cartum, para se criar um outro país. E independen­temente dos problemas que separavam o poder predominan­temente árabe instalado em Cartum das populações cristãs no Sul, que levaram aos resultados que testemunhá­mos em 2011, com a criação do mais novo Estado africano, hoje, se calhar, os sudaneses do Sul chegam à conclusão de que se soubessem que o novo país i ria trilhar este caminho, provavelme­nte teriam decidido manter o Sudão uno e indivisíve­l.

Mas vale a pena reflectir sobre as questões que envolvem a autodeterm­inação dos povos, em que alguns mais entusiasma­dos se apressam logo a dizer que os povos têm o direito de evocar o self-rule, quando a maioria das experiênci­as mais recentes apontam para o caos, sobretudo em África. Mesmo os casos que resultam de uma realidade anterior de separação, depois as sequelas prevalecem ao ponto de não proporcion­ar paz e estabilida­de. Vejam o caso da Eritreia cuja fronteira com o resto da Etiópia, com a qual até possui boas relações de vizinhança, continua instável, sobretudo por causa dos povos da região de Tigrey. Vejam o estado actual do Sudão do Sul, que vive uma guerra civil intermiten­te. Não basta olhar apenas para o suposto direito à autodeterm­inação, como defendem algumas figuras em África. Estes indivíduos deviam olhar para a realidade do continente em que todas as fronteiras foram herdadas da colonizaçã­o nas condições em que ocorreram, uma autêntica armadilha que deixaram aos países africanos. Toda e qualquer tentativa de desconstru­ção das fronteiras herdadas tende sempre a acabar mal. Em todo o caso, vale dizer também que muitas das reivindica­ções de autodeterm­inação em várias partes de África resultam da má governação, que deviam servir de aviso à navegação a Governos incompeten­tes que insistem em alimentar, em muitas partes de África, a onda independen­tista de muitas regiões.

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