Inspirada na falta de inspiração
Escrever nunca foi fácil. Não é para quem o faz por paixão ou até mesmo como ganha pão, tão pouco para aqueles que detestam, mas têm de o fazer por inerência de funções.
O exercício da escrita está intimamente ligado ao da leitura. Escrever exige paixão, prazer, entrega e até vaidade! Mais: porque não, amor? É quase uma relação amorosa entre o autor e as palavras. Um êxtase!
Quem escreve não o faz apenas para si. Fá-lo, também, para quem provavelmente vá ler e, com alguma sorte, compreender a alma do escriba.
Quem escreve deve estar preparado para receber críticas e/ou reparos. Deve ter a humildade de não se sentir especial diante do seu leitor.
Nem todos são capazes de fotografar a própria alma por meio de palavras escritas. Alguns, munidos de coragem e vontade de o fazer sucumbem na falta de habilidade para arrumar palavras escritas. “Escrever não é para qualquer um”. Ouço a frase há anos. Sou obrigada a concordar porque nem eu mesma me sinto habilitada para o fazer.
E, em dias como hoje, em que falta inspiração, a sensação de impotência e vulnerabilidade diante das letras toma conta da minha alma.
A escrita criativa é um dom que Deus não concede a todos os seres humanos. Tal como o dom da oratória, que foi atribuído apenas a alguns. Entretanto, com alguma prática, mesmo sem dom, é possível fazer bem tanto um quanto outro exercício.
Não poucas vezes, quem escreve tenta ignorá-lo (ao dom). Mas, quando menos espera, dá por si repentinamente desperto, numa madrugada qualquer, com o pensamento a fluir num turbilhão de ideias a preencher-lhe o raciocínio. Nesses casos o sono foge do escriba como foge o diabo à cruz.
Quem nunca deixou de anotar uma ideia num rabisco e a viu apagada, por completo, da mente no dia seguinte?
Quando, por preguiça de deixar o conforto dos lençóis, se ignora uma ideia nocturna, no dia seguinte sequer nos lembramos da mesma. A ideia “ignoranos” completamente como que a vingar-se de nós por não a termos abraçado no dia anterior. No fundo, é uma ordem superior invisível, espiritual, divina.
“Há textos que, de tão mal escritos, dão a quem os corrige, vontade de fumar mesmo sem se ser consumidor de tabaco”, disse-me certa vez, com mais ou menos palavras, o jornalista Caetano Júnior. Dele também é a afirmação de que “todos nós (escribas) um dia já demos trabalho a alguém com o nosso texto mal escrito” ou escrito sem inspiração, como esse que ora vos apresento.
Afinal, diz o meu eterno editor Isaquiel Cori: “a falta de inspiração também é motivo de inspiração”. Portanto, eis-me aqui, inspirada na falta de inspiração.