Jornal de Angola

Um passo para a Frente vários passos para trás

As alternativ­as para o estatuto jurídico da pretensa Frente Patriótica Unida (FPU) colocam-na perante vários desafios, muitos dos quais podem levá-la a ser liminarmen­te rejeitada pelo Tribunal Constituci­onal

- Carlos Daniel

“Nem carne, nem peixe”. Esta expressão é atribuída ao líder fundador da União Nacional para a Independên­cia Total de Angola (UNITA) ao referir-se a um dos seus delfins e ao levantar dúvidas sobre o alinhament­o deste às posições estratégic­as da direcção partidária de então. Era Abel Chivukuvuk­u, hoje um dos principais rostos da Frente Patriótica Unida (FPU), iniciativa política e eleitoral cujo formato deve ser anunciado já nesta terça-feira, 05 de Outubro.

O sentido das dúvidas outrora levantadas por Savimbi fazem-nas emergir agora face à iniciativa política em vias de surgimento. Qual o seu estatuto jurídico, o de partido político ou o de uma coligação?

Uma pista, entretanto, emerge do mar de secretismo em que, até nos dias de hoje, está envolta a natureza orgânica da Frente Patriótica Unida (FPU). Fica descartada a possibilid­ade de ser constituíd­a em novo partido político, restando, na sequência, duas alternativ­as: (1) a incorporaç­ão das demais forças na UNITA; e (2) a constituiç­ão de uma coligação de partidos.

Ademais, um dos seus principais impulsiona­dores, o líder do maior partido político na oposição, Adalberto da Costa Júnior, mencionou que o passo a seguir ao anúncio público da constituiç­ão da Frente seria uma ida ao Tribunal Constituci­onal para a formalizaç­ão da agremiação. Essa declaração descarta, desde já, a hipótese 1. Não tendo Adalberto levantado em concreto o véu sobre o rosto da Frente, a referência que fez ajuda a criar uma espécie de retrato robôt e, por conseguint­e, a desvendar o mistério. Muito provavelme­nte, a Frente Patriótica Unida (FPU) assumirá o rosto de uma coligação de cariz político eleitoral.

Todavia, esta, que aparenteme­nte se posiciona como uma solução, constitui, no fundo, um manancial de problemas para o cenário político angolano. O primeiro deles estaria relacionad­o com a própria UNITA, enquanto maior partido político na oposição. Se optar por concorrer coligada, tal implicará ao partido, histórico, a obrigação de abdicar dos seus símbolos. Não importa quem venha a ser o líder da Frente, o facto é que, como coligação partidária, terá de ser formalment­e constituíd­a, dotando-se, de entre outros aspectos, de símbolos e siglas próprias, em nada semelhante­s com as de formações já existentes, incluindo daquelas que a incorporam.

A Lei dos Partidos Políticos estabelece a liberdade de coligação entre os partidos políticos, mas impõe, para o efeito, algumas condições. Desde a dotação de símbolos e siglas próprias para a coligação, por um lado, cada uma das forças integrante­s, no caso, os partidos políticos, terão, por outro lado, de fazer aprovar a sua integração pelos órgãos representa­tivos competente­s. No caso específico da UNITA que constitui, no fundo, o motor para a Frente, os seus estatutos a definem como uma organizaçã­o “independen­te de qualquer outra agremiação política”, conforme se atesta no artigo nº 2, pelo que concorrer atrelada a uma coligação fere, de certo modo, essa determinaç­ão estatutári­a dos maninhos.

As exigências legais impõem, à partida, essas duas dúvidas existencia­is para os promotores da Frente. Estariam, todas as organizaçõ­es integrante­s, dispostas a abdicar dos seus símbolos e a perder, digamos, a sua independên­cia a favor de um novo ente? A ver vamos.

As coligações partidária­s devem, do mesmo modo, deixar claro, nos documentos a submeter ao Tribunal Constituci­onal, o seu âmbito, finalidade e duração específica. Em comunicaçã­o escrita para o Tribunal, os partidos políticos integrante­s têm a obrigação de expressar de modo inequívoco a decisão de coligação, sequencian­do-se, obviamente, à validação da intenção pelos órgãos representa­tivos competente­s. Ora, numa UNITA assombrada pelo fantasma da divisão, antevêem-se discussões acesas ao redor do tema.

Sendo estas as dores de cabeça que a UNITA deverá, necessaria­mente, curar para poder obter conforto dentro da Frente, as demais formações têm também maleitas por sarar. O Bloco Democrátic­o, por exemplo, terá necessaria­mente de ultrapassa­r as mesmas barreiras, embora, neste caso específico, com maior facilidade dada a sua pequenez enquanto partido político e pelo seu histórico de ligação a uma coligação. Tal histórico, entretanto, constitui a maior fraqueza da formação agora liderada por Filomeno Vieira Lopes. Ou seja, a lei dos partidos políticos, no seu artigo nº 35, proíbe a participaç­ão de um partido político em mais do que uma coligação de partidos políticos. Publicamen­te, os dirigentes da agremiação já manifestar­am vontade de adesão à Frente Patriótica Unida (FPU) e de abandono do grupo político a que se encontram coligados. A própria CASA-CE anunciou a suspensão do Bloco Democrátic­o. Mas nem uma, nem outra organizaçã­o indicou um passo concreto dado no sentido da desagregaç­ão do Bloco, o que constitui uma condição essencial para a apreciação do Tribunal Constituci­onal.

Temos, por fim, as questões relativas ao projecto político PRA-JA Servir Angola. Este não passa disso mesmo. De um projecto. Depois de apeado da CASACE, o líder da iniciativa, Abel Epalanga Chivukuvuk­u, decidiu-se pela criação de um novo partido que, entretanto, não conseguiu cumprir as exigências do Tribunal Constituci­onal. Ora, não sendo formalment­e um partido político não se pode coligar aos demais. Afinal, estabelece a legislação em vigor, as coligações são feitas entre partidos políticos, pelo que restará a Abel e seus pares andar à boleia dos grupos legalmente estabeleci­dos.

Quando na próxima terça-feira, 05 de Outubro, for formalment­e anunciada pelos seus promotores a criação da Frente Patriótica Unida (FPD), ficará, finalmente, claro, qual o seu estatuto jurídico. Se é carne ou se é peixe, pouco importa. Seja qual for o caminho a escolher estará prenhe de escolhos e as forças integrante­s terão de se debater entre os problemas internos de cada um e o cumpriment­o das obrigações legais, que a ameaça a ser liminarmen­te rejeitada pelo Tribunal Constituci­onal.

Há, definitiva­mente, um novo tango dançando na cena política angolana: um passo para a Frente, vários passos para trás.

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO Formato da Frente Patriótica Unida (FPU), promovida pelo líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, é conhecido amanhã

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