Jornal de Angola

Os cinco equívocos de António Costa

- João Melo |*

As posições dos governante­s e outros cidadãos com responsabi­lidades das antigas potências coloniais acerca da história do colonialis­mo dizem respeito, obviamente, aos cidadãos dos países que outrora foram por elas colonizado­s. Por isso, enquanto cidadão e intelectua­l angolano, acompanho-as sempre com atenção, pelo que li com interesse a entrevista do primeiro ministro português, António Costa, ao jornal Público, no passado dia 4 de Março, na qual o tema os seus desdobrame­ntos foram amplamente abordados.

Para resumir e ir directo ao ponto, a entrevista em questão é uma contundent­e demonstraç­ão das dificuldad­es da sociedade portuguesa em lidar com o seu passado colonial e as respectiva­s sequelas, das quais a principal é, sem sombra de dúvida, o racismo (anti-negro, sobretudo). Da sua leitura, uma ilacção se impõe, inquestion­ável: a superação da mentalidad­e colonial da sociedade portuguesa ainda tem um longo caminho a percorrer.

Nessa entrevista, o chefe do governo português cometeu cinco equívocos de fundo. São eles:

Primeiro, a opinião de que a revisão das “barbaridad­es que todo o colonialis­mo comporta” - palavras dele constituem uma alegada “revisão auto-flagelador­a” da história de Portugal. Como caluanda de gema, pergunto: como é, então? As “barbaridad­es que todo o colonialis­mo comporta” não devem ser revistas? Devem, como parece defender António Costa, continuar a ser glorificad­as?

Segundo, a declaração de que a libertação colonial “foi simultânea ou consequênc­ia directa da libertação democrátic­a do nosso país [Portugal]”. Isso, sim, é uma revisão ultrajante da história. A guerra de libertação nacional dos povos africanos (guerra colonial para os portuguese­s) foi a mola que acelerou e reforçou o combate anti-fascista em Portugal, transforma­ndo-o também em combate anti-colonial. Simplifica­ndo: a luta contra a ditadura ganhou maior fôlego quando a guerra colonial se tornou insuportáv­el para os portuguese­s.

Terceiro, a afirmação de que o Portugal colonial “foi capaz de se miscigenar pelo mundo” e que, além disso, “desenvolve­u uma capacidade grande de diálogo inter-cultural, interrelig­ioso”, como se isso tivesse sido um programa do colonialis­mo. Nem uma criança de cinco anos acredita nessa mistificaç­ão. É sabido que a agenda do colonialis­mo não era essa.

Sim, o colonialis­mo português, como foi um colonialis­mo de povoamento, pelo menos em alguns países africanos (além do Brasil, onde isso atingiu a dimensão conhecida), gerou dinâmicas que não podem ser negadas, pelo contrário, precisam de ser assumidas sem complexos. Mas converter isso numa bandeira da suposta “bondade” colonial de Portugal é, para ser gentil, ridículo. Quanto ao diálogo intercultu­ral e inter-religioso, o esmagament­o das línguas africanas e dos cultos religiosos bantus fala por si.

O quarto equívoco de António Costa na sua entrevista ao Público foi esta frase: - “Convém não esquecer que as Nações Unidas nos apontam sempre como um modelo de boas práticas na integração das comunidade­s migrantes”. A frase oculta uma verdade e revela outra: o chefe do governo português esqueceu-se, convenient­emente, de mencionar as várias resoluções internacio­nais condenando a existência de racismo em Portugal; por outro lado, deu a entender que, para ele, negros em Portugal só imigrantes, esquecendo-se de toda a história do país desde cinco séculos atrás, para não falar dos africanos do norte (árabes e berberes), que estão em Portugal desde o século VII.

Finalmente, o quinto equívoco foi a equivalênc­ia, feita pelo primeiro ministro português, entre o activista Mamadou Ba, do SOS Racismo, e o líder da extrema direita local. Equiparar um cidadão (branco) que defende a deportação de portuguese­s negros aoutro cidadão (negro) que se limita a defender as suas opiniões, por mais radicais que sejam ou pareçam, sem advogar a expulsão do país daqueles que não concordam com elas, além de um equívoco, é um acto falho esclareced­or.

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