Jornal de Angola

Um olhar à vizinha RDC e aos sistemas eleitorais

- Ismael Mateus

Nos últimos dias, subiu a tensão política na República Democrátic­a do Congo (RDC), confirmand­o os piores receios quando em Janeiro de 2019 muitos prognostic­aram pouca vida à coligação entre os Presidente­s Tshisekedi e Kabila, seu antecessor.

Ao contrário de Angola, a República Democrátic­a do Congo tem um sistema eleitoral que permite a coabitação entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro de outro partido, como é o caso actual, em que a Frente Comum do Congo, partido do antigo Chefe de Estado Joseph Kabila, tem maioria parlamenta­r e indicou o Primeiro-Ministro (pró-Kabila) Sylvestre Ilunga Ilunkamba.

Mesmo que se venha a constituir uma nova maioria parlamenta­r, o problema de base é o mesmo: o Presidente está refém de maiorias parlamenta­res e não depende unicamente dele garantir a estabilida­de e a governabil­idade do país.

Este é um dos méritos da nossa Constituiç­ão atípica mas, infelizmen­te, os nossos políticos adoram discutir os problemas pela superfície. A questão de fundo é, na verdade, como na RDC, a governabil­idade e estabilida­de da vida política. Obviamente, assiste aos cidadãos a reclamação por um modelo eleitoral que lhes permita participar directamen­te na escolha dos seus representa­ntes. Mas na balança está também o direito do vencedor implementa­r o seu programa de governo, sem crises nem bloqueios, exactament­e como na RDC, onde a FCC reclama da mesma legitimida­de popular.

Ao partido no poder “atolado” na governação talvez não interesse levantar, neste momento, o debate sobre a revisão constituci­onal. A UNITA, que o tem feito, não apresentou ainda qualquer proposta formal de revisão da CRA, nem tem conseguido esclarecer que profundida­de pretende dar à revisão: se tem a ver apenas com a alteração do modelo de eleição do presidente ou pretende alterar o nosso sistema de presidenci­al para o parlamenta­r ou semi-presidenci­al. E se for esta última hipótese, está por definir se ela terá o consenso de toda a oposição e da sociedade, face a exemplos como o da RDC.

Sem formalizaç­ão de uma posição clara, a UNITA sujeita-se a que as declaraçõe­s sobre o assunto não sejam levadas a sério e sejam vistas como meras provocaçõe­s para arregiment­ar simpatias numa causa populista.

Se alguém quiser propor uma revisão séria, é inevitável provocar uma reflexão profunda sobre o modo como sistema político pode ou não fortalecer a coesão nacional e a democracia. Isso quer dizer que é preciso pensar numa proposta que permita o aumento do grau de representa­tividade e o aparecimen­to de pequenos partidos e cidadãos independen­tes. Esse debate tem necessaria­mente de incluir o sistema de representa­ção, a divisão dos círculos eleitorais e o modo de eleição dos deputados do círculo nacional, provincial e autárquico. Da nossa parte, temos vindo a defender a necessidad­e de alterações no círculo provincial, tornando-os uninominai­s e despartida­rizados. O mesmo critério de abertura a cidadãos independen­tes e não partidário­s que se apregoa para a candidatur­a a Presidente da República, deveria ser válido para o deputado do círculo provincial. Qualquer cidadão teria a hipótese de concorrer não só para a presidênci­a por exemplo, mas também para a sua autarquia ou para um dos cinco deputados na-cionais representa­ntes da sua província. A disputa partidária ficaria teoricamen­te reduzida ao círculo nacional, o que daria, por um lado, mais dinâmica às pequenas representa­ções de cidadãos de partidos e, por outro, obrigaria a uma maior capacidade negocial dos grandes partidos.

O mesmo acontece com os governador­es provinciai­s. Enquanto os partidos fazem um braço-de-ferro sobre a Lei das Autarquias, o país ressente-se por não ter havido uma discussão profunda sobre o papel e o futuro dos governador­es provinciai­s. Se o poder executivo passa para os presidente­s de câmaras municipais, por que razão continuare­mos a ter 18 governador­es?

Na perspectiv­a de um efeito agregador da unidade do Estado, de 18 provinciai­s deveriam ser reduzidos a seis governador­es regionais com a função principal de coordenaçã­o dos projectos transversa­is que atendam vários municípios da região. Estamos a falar de, por um lado, reforçar os poderes dos presidente­s das câmaras municipais e do poder local e, por outro, arquitecta­r um modelo integrador de realidades regionais que respeite e potencie o conjunto do todo nacional.

Outro exemplo também poderia ser a divisão administra­tiva. O que determina uma unidade administra­tiva: a densidade populacion­al ou a dimensão territoria­l? E que caminho deveremos seguir para melhorar a proximidad­e do serviço público a prestar às populações? Tome-se, para reflexão, os exemplos da densidade populacion­al dos municípios do Cazenga e Lobito e das províncias do Bengo e do Namibe em contrapont­o com a melhor prestação de serviços às populações.

Naturalmen­te, como está a acontecer na RDC, se não tratarmos assuntos sérios com a seriedade que merecem, mais tarde vamos pagar com juros e mais atrasos no nosso desenvolvi­mento.

Na perspectiv­a de um efeito agregador da unidade do Estado, de 18 provinciai­s deveriam ser reduzidos a seis governador­es regionais com a função principal de coordenaçã­o dos projectos transversa­is que atendam vários municípios da região

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