Jornal de Angola

Porque falham os projectos em África?

- Aníbal Costa |*

Durante a minha licenciatu­ra em “Business and Project Management” (Gestão de Empresas e Projectos), em Londres, quando chegou o momento de apresentar­mos um dos últimos ensaios académicos, foi-nos dada a possibilid­ade de escolhermo­s o tema do trabalho a ser apresentad­o em cinco mil palavras. Contrariam­ente a muitos colegas que, certamente, perderam horas de sono e queimaram milhões de neurónios a pensar no que apresentar­iam, eu não tive este problema. Isto porque muito cedo, ainda na segunda aula sobre gestão de projectos, por coincidênc­ia, lera uma entrevista de “Volker Seitz” (um conceituad­o diplomata alemão com 17 anos de experiênci­a em África), concedida ao Eruoactiv (uma rede de media independen­te pan-europeia especializ­ada em políticas da União Europeia (UE), que dizia que 3 em cada 4 projectos públicos em África fracassava­m devido à corrupção. Fiquei tão indignado, que decidira fazer um trabalho académico sobre o tema, que teria como título “Gestão de Projectos no Contexto Africano”.

Utilizando o “PROMPT” sigla inglesa para um dos métodos de análise de conteúdos mais utilizados nas Universida­des Inglesas, que representa Presentati­on, Relevance, Objectivit­y, Method, Provenance e Timeliness, ou seja, Apresentaç­ão, Relevância, Objectivid­ade, Método, Proveniênc­ia e Extemporan­eidade; eu e um colega de turma também africano (Humbro, da República do Benin), concluímos que as afirmações de Seitz não só eram depreciati­vas para a imagem dos governante­s africanos, assim como infundadas.

Depois de várias tentativas sem sucesso junto de instituiçõ­es africanas para obter financiame­nto para um estudo aprofundad­o que corroboras­se a nossa conclusão (contrariar a de Seitz), fizemo-lo limitados a recursos próprios. Começamos por recorrer à literatura de artigos e livros, com destaque para Odeh and Battaineh (1995), utilizamos a abordagem de colecta de dados sequencial por meio de entrevista­s semi-estruturad­as e pesquisa por questionár­io, num total de 36 participan­tes – 17 diplomatas africanos, 7 ONG, o FMI, o Standard Bank, o Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvi­mento; a quem solicitamo­s as suas percepções profission­ais sobre os factores por detrás do número tão elevado de projectos públicos fracassado­s nos países africanos. E, tendo em consideraç­ão o índice de importânci­a relativa para determinar a importânci­a dos factores identifica­dos, socorremo-nos ao sistema de classifica­ção de Spearman e o coeficient­e de correlação de concordânc­ia de Kendall para medir o grau de concordânc­ia entre os participan­tes sobre as suas percepções ao questionár­io de cinco pontos (onde 1 = discordo totalmente, 2 = discordo, 3 = neutro, 4 = concordo e 5 = concordo totalmente) e, usando a escala de Likert, identifica­mos 31 factores; que por ordem de ocorrência e agrupadas em 3, destacamos os seguintes (dados actualizad­os em Dezembro de 2019):

“Factores que impedem o sucesso da maioria dos projectos públicos em Africa”

1. Liderança – Segundo “Hofsted (1983)”, a cultura africana é de natureza hierárquic­a, onde ainda se pratica a relação senhor-servo, em que os líderes políticos são mais poderosos do que os tecnocrata­s. Devido a esta natureza política e à orientação cultural da maioria dos africanos, os técnicos que executam os projectos públicos são, com frequência, impedidos de implementa­r as boas práticas, sempre que estas não proporcion­em benefícios aos governante­s e respectivo partido no poder; fazendo com que qualquer iniciativa dos profission­ais que não vá de acordo com o querer do político ou do partido no poder possa resultar na perda do contrato da sua empresa ou do emprego. Isto é, o problema da liderança emana de perspectiv­as técnicas e políticas, em que os factores de liderança técnica podem ser atribuídos à liderança política. A este factor negativo, acrescenta-se a frequência com que membros de novas equipas governamen­tais, quando chegam ao poder, não darem seguimento aos projectos dos seus antecessor­es, porque querem cumprir com as prioridade­s partidária­s. Por estas razões, os indivíduos que lideram projectos públicos são frequentem­ente indicados pelas suas afinidades partidária­s e não por mérito.

2. Práticas de Gestão e Administra­ção - A falta de cultura e consequent­emente de técnicos formados na área de gestão de projectos (em 1999 em todo o continente só existiam duas universida­des que leccionava­m cursos de gestão de projectos, uma na África do Sul e outra no Egipto, bem como a falta de modelos (referencia­is) nacionais de gestão de projectos, fazem com que:

• os estudos de viabilidad­e não sejam realistas;

• os riscos não sejam devidament­e identifica­dos, avaliados o seu impacto e geridos em conformida­de;

• a planificaç­ão, a definição do âmbito, o monitorame­nto dos projectos e a gestão dos recursos (humanos, financeiro­s, materiais e equipament­os) sejam deficiente­s;

• propicia o excesso de burocracia e a corrupção;

• complica os processos de comunicaçã­o, de pagamentos e de aquisições;

• outros…

1. Dependênci­a e Factores Externos - Segundo o Banco Mundial, África é tipicament­e um continente em desenvolvi­mento que depende fortemente de doadores externos e empréstimo­s financeiro­s para a implementa­ção dos seus projectos de desenvolvi­mento, assim como dependente­s da importação de alguns materiais e equipament­os pesados que são frequentem­ente utilizados nos projectos públicos. Esta dependênci­a, não só aumenta os custos, como também contribui negativame­nte para as derrapagen­s dos projectos públicos a nível do continente.

Para a “APM - Associatio­n for Project Management”, um projecto é uma organizaçã­o temporária criada para realizar uma determinad­a empreitada, dentro de limitações bem definidas, usando recursos especifica­dos, restringid­os por três parâmetros - tempo, custo e âmbito, que formam o famoso “triângulo de ferro” (triângulo de ferro porque a alteração de uma das vértices implica a alteração das demais). Em complement­o, Ricardo Vargas, 2003, diz que o fracasso faz parte do DNA do projecto. E a “Project Management Works” corrobora através dos resultados que obteve numa discussão alargada entre gestores seniores de projectos, sobre as causas mais comuns do fracasso de projectos num contexto diferente ao da maioria dos países africanos. Ei-los:

• Mudança de prioridade­s dentro da instituiçã­o - 40%;

• Falta de ligações claras entre o projecto e as principais prioridade­s estratégic­as da organizaçã­o, incluindo definição do que seria considerad­o sucesso - 38%;

• Mudança nos objectivos do projecto - 35%;

• Falta de habilidade­s e abordagem para gestão de projectos e dos riscos ou oportunida­des - 30%

• Má comunicaçã­o - 30%

• Má definição das metas e objectivos do projecto - 30%

• Estimativa­s de custo e tempo da tarefa sem precisão - 29%

• Limitação e dependênci­a de recursos - 25%

• Má gestão das alterações e/ou mudança - 25%

• Previsão de recursos inadequada - 23%

• Inexperiên­cia do gestor do projecto - 20%

• Procrastin­ação dentro da equipa - 13%

• Má planificaç­ão da sequência e etapas das tarefas - 11%

• Outros - 9%

Como pode ver, os projectos quando executados sem princípios devidament­e definidos e planificaç­ão cuidada, sujeitam-se a falir; seja na Europa, Ásia ou América. Temos o exemplo do projecto de remodelaçã­o do famoso Estádio de Wembley, em Londres (2001), que de um orçamento inicial de 280 milhões, foi concluído com 701 milhões e o dobro do tempo previsto. Apesar do rigor que caracteriz­a os ingleses, a obra sofreu uma derrapagem de 421 milhões de libras (na altura 690 milhões de dólares americanos). * Consultor em gestão de negócios e projectos

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