Jornal de Angola

O futuro de Angola

- Sousa Jamba

Parece haver consenso, em muitos circuitos, que a ajuda para o desenvolvi­mento internacio­nal em muitos casos é uma perda de tempo e de recursos. O mesmo pode ser dito de certos esforços para o desenvolvi­mento nacionai. Em Angola, já vi vários projectos que foram seguidos por discursos que falavam de um futuro risonho, mas que, na realidade, não resultaram em nada.

Na Lunda-Norte, vi numa aldeia, uma gigantesca estrutura que iria fornecer água através de energia solar. Tudo agora estava enferrujad­o, os aldeões disseram-me que a estrutura só tinha operado uma semana. No Huambo, na área da Chipipa, vi uma estrutura igual, que também não operava há anos e que teria custado ao Governo muito dinheiro. Os aldeões disseram-me que a bomba deixou de funcionar dois dias depois dos brancos terem deixado de vir!

Vamos agora para a minha aldeia ancestral de Manico, perto da comuna do Chiumbo, no Katchiungo. Há uma parte da aldeia que têm uma longa tradição de ser predominan­temente da Igreja Evangélica Congregaci­onal de Angola — IECA. O meu avô, Augusto Njamba, foi um dos primeiros aderentes da igreja na área, e a mulemba da família não fica longe da igreja. Em frente da igreja há uma bomba de água que não opera há quase uma década, mas que foi inaugurada com muita pompa. O Estado gastou milhares de kwanzas no Manico que não resultaram em nada.

A semana passada, passei o fim-de-semana na aldeia para melhor conhecer a minha origem. Os meus primos levaram-me a uma fonte de água, num extremo da aldeia, de onde estavam a vir vários canais. Parte do Manico está em terreno inclinado. Usando o princípio da gravidade, os canais podem fornecer água para várias moradias no alto. Esta prática, soube, já era praticada no passado. Na mulemba dos Jambas, notei muitas plantas de café, soube que no passado Manico produziu muito café que era recolhido por um comerciant­e europeu chamado Beltrand. Enquanto os jovens cavavam o canal, um mais velho chamado Antunes, que lembrava exactament­e como a água era captada no passado, dava instruções.

O velho Antunes trabalhou com o meu pai, em 1957, na construção de valas num outro terreno da nossa família em Katchileng­ue. Ele disse-me que o conhecimen­to de velhos como ele foi sempre menospreza­do, que tudo o que ele dizia era tido como algo do passado. Fui para a fonte da água do canal onde a água passou a ser controlada até com sacos de areia como no passado.

O que está a acontecer no Manico é uma mudança completa na mentalidad­e dos jovens que, naturalmen­te, não fazem a mínima ideia do tempo colonial ou mesmo da guerra, quando todos os aldeões tinham que abandonar a aldeia para a comuna do Chiumbo ou então ir para as matas sobre o controlo da UNITA. O futuro do Manico está nas mãos dos jovens do Manico. A liberdade, a capacidade de fazer escolhas, não é fácil; é por isso que muitos acabam nos alambiques e na futilidade do walende. Os jovens do Manico acreditam que o seu futuro está nas suas mãos. Um jovem disse-me, “Tio, quando você pensa dez anos em frente, quinze mil kwanzas é muito dinheiro!”

Pedi para ele ser mais específico. Ele disseme que com dez mil kwanzas, ele organizou um grupo de amigos para capinar um terreno onde ele foi plantando mangueiras, abacateiro­s, e outras árvores onde ele agora pretende cultivar café. Não é fácil conquistar uma menina que quer saldo agora já mesmo com o argumento que alguém está a poupar para cultivar café em dez anos.

A rota entre Manico e Chiumbo (o asfalto) está péssima. Vários jovens do Manico têm-se organizado para taparem os buracos na rota para garantir que os kaleluyas (motorizada­s com três rodas) cheguem lá. No Manico, uma boa parte das casas têm antenas parabólica­s. Um jovem disse-me que ele tem acompanhad­o religiosam­ente um programa, num canal brasileiro, sobre agricultur­a. O que está a acontecer, também é a valorizaçã­o da terra por parte dos jovens — e, também, a valorizaçã­o do trabalho do campo. Tradiciona­lmente, muitos jovens no Manico e outras aldeias aspiravam ir para as cidades e ter um emprego, trabalhand­o num escritório com ar condiciona­do.

No Manico, há muita gente que reside no Huambo ou até Luanda que passa os fins-de-semana na aldeia para colherem as couves, tomate, batata etc das suas lavras e nakas. Agora até há quem vem comprar produtos do Manico para vender nas cidades. Manico tem sorte porque tem um soba que, já com idade avançada, decidiu voltar à escola e completar o ensino secundário. Agora pretende fazer um curso superior (numa universida­de brasileira) através da Internet. É bom ver jovens que acreditam que o futuro da sua aldeia sairá do seu suor, inteligênc­ia, e determinaç­ão e não como bênção da benevolênc­ia de alguém.

Manico tem sorte porque tem um soba que, já com idade avançada, decidiu voltar para a escola e completar o ensino secundário. Agora ele pretende fazer um curso superior (numa universida­de brasileira) através da Internet. É bom ver jovens que acreditam que o futuro da sua aldeia sairá do seu suor

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