O Estado de Emergência e os julgamentos nos tribunais
Os mais distintos órgãos de comunicação social têm, diária ou quase diariamente, noticiado a realização de julgamentos sumários de cidadãos que violam as medidas do Estado de Emergência em vigor no país.
A pretexto de uma suposta celeridade processual, já que se tratam de julgamentos na forma de processo sumário com prazos bem definidos por lei, tem-se constatado que nem sempre os direitos de defesa dos réus são escrupulosamente respeitados.
Assim, muitos dos réus não têm sido defendidos por um advogado ou advogado estagiário, conforme estipula a Constituição da República de Angola (CRA), aprovada em 05 de Fevereiro de 2010, e que considera a advocacia como sendo uma instituição essencial à administração da Justiça. Sem que sejam esgotados os recursos aos profissionais do ramo, a defesa dos réus tem sido, lamentavelmente, confiada a cidadãos que não estão inscritos na OAA e, pior ainda, leigos na matéria.
Por imposição legal (Decreto - Lei 15/95, de 10 de Novembro), a Ordem dos Advogados de Angola (OAA) tem elaborado com regularidade as listas onde constam os nomes de advogados e advogados estagiários e remetido as mesmas aos órgãos jurisdicionais e tribunais para nomeação destes como “defensores ad hoc” dos arguidos.
Pelo que temos constatado, os profissionais do ramo, apesar de disponíveis, estarão a ser preteridos, e, no seu lugar, substituídos por cidadãos leigos na matéria. No final dos julgamentos, estes, convencidos que realizaram uma boa defesa, concedem entrevistas à im-prensa, e afirmam, invariavelmente, que estão satisfeitos com a pena aplicada aos seus constituintes.
Estas situações, demonstram uma falta de conhecimentos, desde as obrigações ético-deontológicas a que estão vinculados os advogados angolanos, a outras, de responsabilidade profissional, pois, não têm executado o amplo direito de defesa durante a actividade processual que se desenrola nas entidades de investigação e junto dos tribunais.
Com efeito, a Lei n.º 8/17, de 13 de Março, que aprova a Lei da advocacia proíbe a prática da advocacia a cidadãos não inscritos na OAA.
A Lei da advocacia define com clareza o que são actos próprios dos advogados, sendo estes:
O exercício do mandato forense em qualquer tribunal, incluindo os tribunais arbitrais;
A consulta jurídica a entidades públicas e privadas.
A elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à Constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto das entidades reguladoras do investimento privado, de conservatórias e cartórios notariais, órgãos da Administração Central e Local do Estado;
As negociações tendentes à cobrança de créditos;
O exercício do mandato no âmbito de actos administrativos ou tributários;
Acompanhamento de clientes a reuniões e entrevistas com quaisquer autoridades.
Consideram-se ainda actos próprios dos advogados os que forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional, sem prejuízo das competências próprias atribuídas às demais profissões ou actividades cujo acesso ou exercício é regulado por lei.
Com efeito, a prática de actos próprios de advogados em violação ao disposto na Lei da advocacia, bem como à visita e o aconselhamento aos detidos nas Esquadras de Polícia e Estabelecimentos Prisionais visando à prática profissional de actos próprios dos advogados, constitui crime de exercício ilegal de profissão, que é punível nos termos da legislação penal. O advogado deve ser leal ao cliente conforme estabelece o V mandamento do decálogo de Eduardo Couture, de leitura obrigatória nas cerimónias públicas quando o advogado estagiário recebe a cédula profissional provisória.
Não obstante, os índices de ascensão nos últimos anos do exercício da advocacia, da assistência e do patrocínio judiciário, enquanto instrumentos essenciais à realização da justiça e à garantia da prossecução e protecção qualificada dos interesses da sociedade e dos cidadãos, essas defesas “ad hoc” são exercidas por cidadãos não inscritos na Ordem dos Advogados, mas só depois de esgotados todos os meios que deveriam assegurar uma defesa de profissionais do ramo.
Daí a necessidade de pôr cobro a estas situações. Os auxiliares ou colaboradores destas práticas nos tribunais devem ser igualmente responsabilizados nos termos legais.
O exercício ilegal de actos próprios de advogados por cidadãos não inscritos na Ordem dos Advogados de Angola deve ser denunciado.
Não colhem as justificações, ou argumentos evasivos segundo os quais, as diligências urgentes previstas no Código de Processo Penal, principalmente, nos processos Sumários que, não possam ser atendidas à falta de escalas elaboradas.
Para credibilização da administração da Justiça, os cidadãos que sejam conduzidos aos órgãos de Justiça devem ser acompanhados por advogados por eles livremente escolhidos.
Como é de domínio público, todas as províncias do país têm advogados e advogados estagiários domiciliados.
O Código de ética e deontologia recomenda que o advogado, no exercício da profissão, deve manter sempre, em qualquer circunstância, a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão ou coacção, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional.
Por conseguinte, é importante assegurar que nada impeça ao cidadão de escolher o seu defensor (n.º3 do artigo 67,º da CRA) e ao acesso o direito e aos tribunais, que são o garante da função jurisdicional do Estado angolano (art. 174º da CRA).
O Código de ética e deontologia recomenda que o advogado, no exercício da profissão, deve manter sempre, em qualquer circunstância, a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão ou coacção, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional
* Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola