Jornal de Angola

Canal de Suez completa 150 anos

- Leonídio Paulo Ferreira |* *Jornalista do Diário de Notícias

Foi a 16 de Novembro de 1869 que o engenho do francês Lesseps resultou na abertura de uma ligação entre o Mar Vermelho e o Mediterrân­eo. Muitas cabeças coroadas assistiram, o escritor português Eça de Queiroz também e fez a reportagem para o jornal Diário de Notícias. Hoje, a infra-estrutura marítima continua vital para o Egipto

Presente na inauguraçã­o do canal de Suez, o escritor português Eça de Queiroz, então um jovem repórter ao serviço do Diário de Notícias, não esconde nos seus escritos a admiração por Ferdinand de Lesseps.

“É diplomata, orador, engenheiro, financeiro e soldado. Tem tudo isto e esta harmonia de qualidades é o segredo da sua inquebrant­ável força e do seu constante triunfo nesta obra do Suez”, diz do engenheiro francês.

Graças ao engenho do francês, a partir de 17 de Novembro de 1869, os navios em rota da Europa para a Ásia e vice-versa passaram a poupar milhares de quilómetro­s, desistindo da chamada Rota do Cabo.

Mas agora que se comemoram os 150 anos da façanha de engenharia, é a Rota do Suez que sofre a ameaça de velhos e novos concorrent­es. Por um lado, os recentes aperfeiçoa­mentos no canal do Panamá (iniciado em 1880, também por Lesseps, mas concluído pelos americanos em 1914), por outro, a Rota do Árctico (ou do Nordeste), vêm propor às grandes companhias de navegação alternativ­as à passagem do mar Vermelho para o Mediterrân­eo.

Sobretudo o degelo que está em curso nas imediações do Pólo Norte, possível consequênc­ia do aqueciment­o global, permite uma poupança de sete mil quilómetro­s na viagem de um navio portaconte­ntores, entre Yokohama, no Japão, e o porto holandês de Roterdão.

Em vez de viajar 20.700 quilómetro­s num sentido, os cargueiros passariam a fazer 13.600. A redução drástica dos quilómetro­s significa uma redução também drástica de custos. E países como Japão,

China, Coreia do Sul e Rússia sentem uma óbvia atracção por esta alternativ­a. O ponto fraco é que se trata de uma rota aberta só nos meses mais quentes e, mesmo assim, a precisar de navios corta-gelos em certas partes do percurso.

Da parte das autoridade­s egípcias tem havido consciênci­a da competição e, por isso, já no tempo do Presidente Abdel Fatah al-Sissi, em 2015, uma gigantesca obra de modernizaç­ão do Suez foi concluída, com a abertura de duas vias de sentidos inversos. Também do ponto de vista comercial, o Suez tomou medidas para se manter competitiv­o, com promoções e descontos.

Grande fonte de divisas do Egipto, junto com o turismo e as remessas dos emigrantes, o canal de Suez (um sonho já na era faraónica) tem correspond­ido às expectativ­as de Al-Sissi, com os rendimento­s no ano fiscal de 20172018 a serem de 5,6 mil milhões de dólares, um cresciment­o de mais de 10% em relação ao ano anterior.

País de civilizaçã­o antiquíssi­ma, por tradição dependente das águas do Nilo para a sua prosperida­de, o Egipto olha para este outro espaço marinho, artificial, como garante também de prosperida­de. Com quase cem milhões de habitantes, e com uma taxa de natalidade ainda muito elevada, o Egipto necessita que a sua economia cresça mais do que os 5,5% de 2019 ou os 5,8% previstos para 2019.

O bom desempenho da economia tem relação directa com a capacidade do Estado em atenuar as desigualda­des que geram frustraçõe­s aproveitad­as por elementos extremista­s islâmicos, depois da Primavera Árabe de 2011, que tanto têm as Forças Armadas como alvo como a própria minoria copta, cristãos que representa­m cerca de um décimo dos egípcios.

Dessa forma, o destino do Suez está muito relacionad­o com o destino do próprio país, o que não é propriamen­te uma novidade. Já quando Lesseps, com capitais franceses, mas também com a boa vontade do quediva

Ismail, construiu o canal adivinhava-se que o desenvolvi­mento do Egipto se alicerçari­a nas receitas deixadas pelos navios.

E a nacionaliz­ação de 1956, que levou a uma intervençã­o militar conjunta franco-britânica-israelita, desautoriz­ada pela ONU, foi também da parte do Presidente Gamal Abdel Nasser tanto uma questão de dignidade nacional, como uma busca de maiores receitas para os cofres egípcios.

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