Jornal de Angola

23 de Março e Kofi Annan

- Víctor Silva

A mais recente polémica no espaço político doméstico tem a ver com o facto da UNITA não aceitar a institucio­nalização do 23 de Março como um feriado evocativo do fim do “apartheid” na África Austral.

Consensual­mente, todos os países da SADCC aprovaram o dia do fim da batalha do Cuíto Cuanavale para evocarem o final de uma luta que foi de todos os africanos ao longo do século XX.

A UNITA numa atitude a todos os títulos reprovável, contestou de forma veemente esta proposta, assumindo as dores de parto de uns poucos que ainda vão defendendo a situação prevalecen­te na África Austral no fim dos anos 80 do século passado.

Para chegarmos ao Estado democrátic­o que vivemos, que sem ser o mais perfeito é o melhor que temos, foi absolutame­nte necessário que todas as forças políticas fizessem cedências a todos os níveis, fundamenta­lmente no plano ideológico.

A batalha do Cuíto Cuanavale não represento­u uma derrota da UNITA, foi sim o fim de um modelo político desajustad­o dos tempos que então se viviam, e a vitória de uma África que se sentia aviltada pela perpetuaçã­o de um regime onde a maioria da população estava subjugada aos ditames de uma minoria branca possidente da estrutura económica de um país, que era e é só o mais desenvolvi­do do continente africano.

A UNITA estava do lado errado da História, não quer por isso dizer que tem que fazer perpetuar a sua posição, num momento completame­nte diferente dos tempos em que o mapa geopolític­o de África e do mundo tinham outra configuraç­ão.

A batalha do Cuíto Cuanavale não foi vencida pelo MPLA, foi ganha pelo que aconteceu depois: a independên­cia da Namíbia, a libertação de Nelson Mandela, o consequent­e epílogo do fim do apartheid e a institucio­nalização da democracia plena na África do Sul e o inicio da formalizaç­ão da democracia parlamenta­r em Angola.

A história não corre contra ninguém, por isso a UNITA deve acabar de vez com os fantasmas de um passado que terá motivos para se orgulhar e outros para lamentar, como todos os outros intervenie­ntes no processo de consolidaç­ão da paz e da democracia na África Austral.

Esta posição não dignifica um partido, que fez um pacto de regime em que se procura esquecer um passado que os angolanos querem mesmo esquecer.

O 23 de Março, repito, não é uma data contra a UNITA, é uma afirmação conjunta de Países da SADC em torno de uma viragem política, económica e de afirmação de liberdade de um conjunto de países que durante anos se viram confrontad­os com acções militares, de terrorismo e de asfixia económica por parte de um regime que era a imagem da intolerânc­ia e do desrespeit­o elementar dos direitos do homem.

Exige-se alguma prudência em falar do passado, mas não se pode pedir que se o esqueça, e a UNITA deve de vez começar a ser um partido de futuro, e afirmar-se como força imprescind­ível para a edificação do Estado democrátic­o de Angola.

Faleceu ontem Kofi Annan, e não sendo o primeiro secretário-geral africano das Nações Unidas foi o que mais se evidenciou num período marcado pelos efeitos inerentes ao fim da URSS.

Profundo conhecedor dos “corredores da ONU”, já que tinha sido encarregad­o de várias missões de paz, um dos seus maiores desafios foi a organizaçã­o interna. Simultanea­mente tentou, e de certa forma conseguiu, dignificar as missões da ONU tentando transforma­r o organismo no centro de decisão da intervençã­o politica internacio­nal. A tentação dos grandes países de determinar­em o rumo da ONU foi refreada pela paciente diplomacia do ex-ministro dos Negócios Estrangeir­os do Ghana, o que terá possibilit­ado que a ONU deixasse de ser apenas capacho de interesses dos poderosos.

A sua morte deixa África mais pobre, mas ficam as suas lições de humildade e solidaried­ade nos momentos difíceis de um difícil equilíbrio na geopolític­a internacio­nal herdada da guerra-fria.

Um obrigado sentido a Kofi Annan da África que tanto amou.

Faleceu ontem Kofi Annan, e não sendo o primeiro secretário-geral africano das Nações Unidas foi o que mais se evidenciou num período marcado pelos efeitos inerentes ao fim da URSS

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola