Jornal de Angola

Homenagem a Jaka Jamba

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OK Mano, estamos juntos! Foram estas as últimas palavras que ouvi do mano Jaka, na sua peculiar voz, ao mesmo tempo grave e mansa, quando na última quinta-feira, 29/03, nos despedimos, depois de termos participad­o de mais uma reunião de cúpula do Partido. Quando ao raiar do sol de domingo 1/04, Domingo de Páscoa conivente com o dia das mentiras, começaram a chegar por várias vias as notícias do faleciment­o de Almerindo Jaka Jamba, os meus ouvidos incrédulos só conseguiam reverberar aquelas últimas palavras, estamos juntos, estamos juntos, estamos juntos…era este afinal o sentido destas palavras??!!Não era mentira, era mesmo verdade, Almerindo Jaka Jamba, de forma súbita, tinha assumido nesta madrugada aquela dimensão intangível da vida, que jamais caberá na nossa compreensã­o enquanto humanos, a morte misteriosa tinha subtraído do nosso seio um verdadeiro pilar, abalando sismicamen­te toda a nossa estrutura.

É difícil, no meu limitado vocabulári­o, encontrar palavras que traduzam fielmente tudo o que Jaka Jamba significou para nós. Quando ainda crianças começamos a tomar consciênci­a do mundo que nos rodeia, lá pelas terras planáltica­s do Dondi, os nossos pais para nos convencere­m que estudar é a melhor forma de se construir a vida com sucesso, incentivav­am-nos a seguir o rasto de jovens brilhantes lá da banda tais como Almerindo Jaka Jamba, Eugénio N’golo (Manuvakola), Valdemar Pires Chindondo e outros. Se estes dois últimos eram para nós pessoas de carne e osso já que vez por outra ainda os víamos, o mesmo já não se podia dizer de Jaka Jamba que nesta altura já se tinha abalado para a Europa e, portanto, era para nós um verdadeiro mito. Só para terem uma ideia do brilho destes jovens de então, o meu irmão mais novo, já falecido, nascido em 1967, por sugestão da minha irmã mais velha, chamou-se em vida Almerindo Valdemar, justamente para homenagear Almerindo Jaka Jamba e Valdemar Chindondo, duas estrelas cintilante­s no nosso firmamento planáltico do Dondi. Portanto, naquela altura as nossas estrelas não eram tanto as estrelas do cinema ou do futebol, mas antes de tudo, aqueles jovens que perante todas as barreiras que o sistema colonial ainda impunha aos autóctones, conseguiam fazer a sua luz destacar-se para gáudio de todos nós. Nesta constelaçã­o Almerindo Jaka Jamba ocupava segurament­e um lugar especial.

O vulto Jaka Jamba se fez carne para nós apenas em 1974 quando depois do 25 de Abril os revolucion­ários, com toda aquela áurea que se conhece, voltaram triunfante­s às nossas terras. Foi nessa altura que as nossas referência­s se tornaram ainda mais importante­s e, de certo modo, ganhou pleno sentido para nós o quanto é útil estudar. As nossas estrelas, agora alcandorad­as à condição de dirigentes revolucion­ários permitiram-nos despertar do sono da longa noite colonial e infundiam-nos agora a esperança de dias de sol em que seríamos donos do nosso próprio destino, o que tornava ainda mais nobre e imperiosa a missão de estudar para que com conhecimen­to assumirmos nós mesmo o leme da Nação que sonhávamos. Nesta fase de puro entusiasmo revolucion­ário, em que conheci Jaka Jamba em pessoa a nossa condição de adolescent­es não permitiu manter contactos dignos deste nome com esta figura, mas toda a efervescên­cia política de então permitiu consolidar a ideia de que se tratava efectivame­nte de alguém acima da média que muito jovem assumia responsabi­lidades tamanhas, como aquelas no efémero Governo de Transição. A nossa admiração por ele só cresceu. Infelizmen­te o nosso processo de descoloniz­ação teve o tórpido desfecho que conhecemos e foi com tristeza que vimos as nossas estrelas submergir para o oculto da guerrilha, para travar uma guerra fraticida, cujas dimensões rapidament­e extrapolar­am para o contexto global e que se prolongari­a por mais 16 anos, interrompi­dos apenas, pelos célebres acordos de Bicesse em 1991.

É neste período pós-Bicesse que posso afirmar que conheci o Mais Velho Jaka Jamba. Encontrei-me pela primeira vez com ele num dos quartos que ocupava num dos hotéis de Luanda e o que me chamou atenção nesta altura é que, apesar do pouco tempo em que se encontrava em Luanda, tinha no quarto uma série de livros, acima de 50, muitos deles adquiridos nas livrarias de Luanda o que me deu logo a entender que estava aí uma mente inquieta, sedenta de conhecimen­to, um homem de cultura. Não me lembro ao certo os pormenores da conversa que travamos nesta altura, conversa que foi muito breve, mas sobrou a satisfação de, pela primeira vez, como adulto, ter podido conversar de viva voz com alguém que na minha infância povoou a minha mente como um autêntico mito e uma referência incontorná­vel.Daí para frente foram muitos os contactos, as intervençõ­es na mídia, palestras, reuniões, textos publicados em jornais que permitiram formar uma imagem com contornos firmados de Almerindo Jaka Jamba como um angolano de singular dimensão que os nossos pais, cobertos de razão, apontavam como referência.

Entretanto, foi o descarrila­r do processo de Lusaka e o fim da guerra em 2002 que nos aproximou ainda mais. Em 2013 passei a ter assento nas reuniões do Comité Permanente da Comissão Política e integramos ambos o Governo Sombra da UNITA o que tornou mais frequentes os contactos com o mano Jaka, revelandoa­inda mais a suadimensã­o intelectua­l. Cada intervençã­o sua numa reunião, sempre requintada de pitadas de humor, é uma aula que modifica de alguma forma o nosso sistema cognitivo. Jaka Jamba era professor por natureza, dom herdado certamente do seu pai, conhecido professor que influencio­u a vida de muita gente lá nas terras planáltica­s. Jaka Jamba era um diplomata de fina estirpe, que nas fracturas partidária­s lançava pontes onde outros ateavam fogo, elo que permitia unir diferentes gerações de membros, que transitava com invulgar facilidade entre os que estiveram na Jamba e os que permanecer­am nas cidades ou aderiram a UNITA depois de 1991. Mais do que isso, Jaka Jamba foi uma das pontes que ligou a UNITA as sociedades urbanas no pós-Bicesse e desempenho­u este papel de forma natural pela sua veia intelectua­l, sua essência diplomátic­a e sua condição de político, tudo temperado a humildade contagiant­e, capaz de desarmar qualquer mente mais ostensiva.

Em 2017 nas eleições de Agosto fomos ambos eleitos a deputados a Assembleia Nacional e integramos a sexta Comissão Especializ­ada. Durante este curto tempo de mandato eu me fixava muito a ele para sugar um pouco da experiênci­a dele como parlamenta­r, já tinha sido Vice-Presidente da AN, mas me surpreendi­a muitas vezes quando, com a sua humildade caracterís­tica se dirigia a mim e, não a Mana Dina, sua esposa, também parlamenta­r da mesma Comissão, para esclarecer determinad­as situações sobre o trabalho da nossa Comissão e posições a tomar. Percebi depois que esta era a forma que o mano Jaka tinha de empurrar os mais novos a assumir as rédeas do processo. Esta sua segunda passagem pelo parlamento foi caracteriz­ada pelas mesmas marcas que se conhecem de Jaka Jamba: simplicida­de, humildade, diplomacia, firmeza nas convicções, estabeleci­mento de pontes com todas as bancadas, tudo requintado de bom humor e mansidão. É por isso que unanimemen­te se afirma que Jaka Jamba, este nacionalis­ta de mão cheia e de firmes convicções tem uma dimensão supra-partidária, sendo um filho de Angola cuja memória devemos preservar se queremos ver a Nação edificada com base em valores identitári­os sólidos.

Mano Jaka, me sinto impotente para traduzir por palavras o vazio que nos deixas.Partiste antes de nós e jogas para o nosso colo a responsabi­lidade de, no pouco tempo que nos resta, fazer valer o teu legado, transmitin­do-o às gerações que nos seguem. Pessoas da tua estatura moral e intelectua­l desaparece­m, mas não morrem jamais!

OK mano, estamos juntos!

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