A cooperação com os “grandes” não pode ser um jogo de soma zero
A presença em África, em simultâneo, do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, para reforçar a cooperação bilateral ao lado da agenda política e diplomática mundial, e do secretário de Estado americano, Rex Tillerson, numa missão com semelhantes contornos, parece pouco habitual e suscita algumas questões.
O primeiro esteve ontem por cá, no nosso país, numa digressão que o deverá levar também a países como Namíbia, Zimbabwe, Moçambique e Etiópia, enquanto o chefe da diplomacia americana começa hoje um périplo igualmente por cinco países africanos, nomeadamente a Nigéria, Quénia, Chade, Djibuti e Etiópia, até ao dia 13 do corrente.
Curiosamente, a Etiópia, um antigo aliado da então União Soviética, que nos últimos vinte anos tem sido “cortejado” pelos americanos, sobretudo quando a agenda comum visa combater o terrorismo, é o único país a receber os dois diplomatas.
O país vive uma crise política que nos últimos dois anos tem custado a vida a milhares de pessoas, levou à demissão do primeiro-ministro e, segundo algumas análises, o estado de emergência decretado pode levar a uma completa degradação da situação, falando-se neste momento da possibilidade do país resvalar para guerra civil. Interessa aos Estados Unidos, tanto quanto a Rússia, que a Etiópia ultrapasse o presente momento menos bom da sua política doméstica para que seja possível desempenhar o papel estratégico que desempenha na sub-região.
Em todo o caso, o lado curioso e questionável que se levante tem a ver precisamente com a digressão que os dois diplomatas realizam em simultâneo ao continente africano, numa altura em que numerosos desafios se acentuam para a diplomacia mundial.
Sergey Lavrov vem à África, de visita a países com os quais a Rússia possui laços históricos de cooperação política, diplomática e comercial, para reforçar tais vínculos e assegurar o papel que a Rússia pode ter na materialização de algumas das aspirações do continente, como por exemplo, acelerar a reforma da Organização das Nações Unidas. Lavrov pretende também assegurar que a Rússia não esteja a perder espaço de actuação política e diplomática junto dos países africanos, pelo menos com aqueles tidos historicamente como aliados, numa altura em que algumas potências ocidentais tendem a sancionar aquele país.
Para o Departamento de Estado (Ministério dos Negócios Estrangeiros) Rex Tillerson planeia discutir maneiras de trabalhar com parceiros africanos para combater o terrorismo, promover paz e a segurança, promover a boa governação, estimular o comércio e o investimento mutuamente benéficos.
Segundo a mídia americana, o número um do Departamento de Estado vem à África tendo na bagagem a crescente influência chinesa no continente, facto que levanta a questão do “modus operandi” para inverter este quadro. Um alto funcionário do Departamento de Estado, citado por um jornal americano, disse que os Estados Unidos não encaram bem o que notam alegadamente como tentativas da China, a Rússia, a Coréia do Norte e o Irão em extrair, cada vez mais, “minérios raros” e outros recursos de várias nações africanas em troca de fácil acesso a empréstimos financeiros, muitas vezes questionáveis.
Os países africanos, que estão a merecer a atenção de tais potências, deviam igualmente maximizar os ganhos com estas visitas de que estão a ser alvo por parte dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados Unidos e da Rússia. É nesta altura em que os países, tidos como os mais poderosos do mundo pelos menos em termos militares, demonstram interesse pelos Estados africanos que, estes últimos, deviam explorar muito as vias pelas quais as suas agendas pode também avançar.
É óbvio que atrás de Sergey Lavrov e de Rex Tillerson vem uma delegação vasta, que fará avançar o essencial da agenda económica, financeira e comercial de ambas as digressões pelo continente, realidade que devia conhecer uma contrapartida em África. È bom que os empresários e empreendedores africanos estejam preparados para ajudarem-se a si mesmos durante a interacção com homólogos russos ou americanos na identificação dos interesses comuns, possibilidades de negócios e parceria. Apenas para se ter uma ideia de como é projectada a imagem e influência futura do continente, basta ler a visão do Departamento de Estado relativamente ao continente. “A África no ano 2100 vai ter 40 por cento da população mundial, vai ter mais de 30 por cento da força de trabalho, embora venha ter também tem o potencial de ter uma taxa de desemprego de 50 por cento, o que é muito alto. Isso é uma questão de segurança, um económico, mas representa uma grande oportunidade”.
Estarão os países africanos preparados para essa realidade, maximizando hoje os ganhos nas relações com os seus parceiros europeus, asiáticos e americanos ou simplesmente fazendo o jogo daqueles, tornando a relação bilateral ou multilateral como um verdadeiro jogo de soma zero ? Se a relação for baseada nesta realidade, em que o ganho de uns significa necessária e permanentemente a perda de outros, então é tempo da agenda africana e dos seus países ser redefinida e reorientada para fazer jus às aspirações e anseios dos povos africanos, nomeadamente o de usufruir o desenvolvimento sustentável com garantias para as gerações futuras.