Garagens transformadas em casas comerciais
De um tempo a esta parte vinha ponderando sobre a oportunidade e mérito de uma abordagem reflexiva em torno de certas garagens que nos bairros Vila Alice, Maianga, Maculusso, Mártires, Cassenda, etc., foram transformadas em estabelecimentos comerciais como boutiques, mini mercados, barbearias, salões de beleza, etc.
Porém, a intenção que se concretiza por via deste texto tem fundamento numa cena que fui obrigado a assistir há dias, numa das ruas da Vila Alice, que por pouco não teve fim trágico, se calhar, como diz o outro, não estava para acontecer.
Valeu a pronta intervenção dos transeuntes que frustraram a intenção de um agente de segurança privada duma garagem transformada em estabelecimento comercial que, empunhando uma metralhadora do tipo “akâeme”, pretendia tirar a vida de um jovem que, no seu direito de usar o passeio, para os devidos efeitos, afastou a cadeira que impedia a normal circulação.
Mais do que a ira por ver afastada a cadeira, (não era para tanto), o segurança julgou-se autorizado, por quem não se sabe, a usar a arma de guerra para o fim que, de certo, não lhe foi recomendado em nenhuma instância.
Por esta altura estará o jovem com a cabeça às voltas, imaginando que a sua peregrinação nesta terra pudesse terminar naquela manhã, não fosse a intervenção e solidariedade de alguns cidadãos, dos quais se destaca um homem trajado de jeans preta e camisa azul-bebé, que prontamente interveio, impedindo que o pior acontecesse.
Minutos depois veio a saber-se que o autor do golpe subtil que retirou o carregador da arma do agente de segurança privada é um sobrevivente da célebre brigada 47 das extintas FAPLA, cuja bravura dos integrantes foi determinante no desfecho da batalha do Cuito Cuanavale.
Bastante aplaudido pelos presentes, o “salvador”, qual Silvester Stallone, em uma das suas muitas acções no mundo cinematográfico de Hollywood, ganhou a simpatia de todos que presenciaram a cena que, como atrás dito, não terminou em tragédia por conta da coragem do antigo combatente cujo destino era a caixa social das Forças Armadas Angolanas, saber do estado da sua reforma como antigo combatente, que faz anos continua em banho-maria... Ainda por cima!
Não dispondo de muito tempo para continuar a acompanhar o desenrolar da cena, até por que as responsabilidades laborais impunham o chamado ante o meu desejo, tratei de desenvencilhar-me do trânsito que naquela altura complicou-se no perímetro, facto que reforçou o desejo em reflectir sobre as transformações de várias garagens em estabelecimentos comerciais, e algumas das repercussões sociais advenientes do facto, claro, com carga negativa.
E a primeira conclusão a que cheguei é que, nos referidos bairros, para além de outros motivos, uma das causas de estrangulamento do trânsito advém da citada prática, porquanto as garagens deixaram de exercer a sua função de lugar próprio para se estacionar e guardar veículos.
O termo é oriundo do francês “garage” e geralmente está anexa a uma casa, apartamento ou a uma sala comercial e diferencia-se do estacionamento porque este é necessariamente pago.
Não exercendo o seu papel, a prática de transformação das garagens promove a exposição das viaturas aos amigos do alheio e outros tantos riscos advenientes, como o embate involuntário, entre outros.
Logo, julgo que quem de direito deve fazer alguma coisa para alterar o quadro.
A título de exemplo, o Governo Provincial de Luanda pode, no uso das suas competências, reorientar o trânsito nas citadas zonas, com acções como proibição de estacionamento nas ruas, nem que seja apenas durante o período normal de expediente, e por esta via, obrigar os que deram outra finalidade às garagens, sobretudo para fins comerciais, que repensem que, apesar de ser bom, o dinheiro não deve ser feito em prejuízo do bem comum que, para este caso, é a via pública.
Uma eventual medida na direcção apontada permitiria a fluidez do trânsito em muitas das ruas das zonas citadas, como escapatória das principais avenidas da urbe luandense que se tornam precárias em hora de ponta e não só.
Outras instituições, tais como o Ministério do Comércio, a Polícia Económica, só para citar estas, são chamadas a reavaliar o mérito e oportunidade do comércio realizado em garagens ora transformadas em estabelecimentos comerciais.