Jornal de Angola

A decisão de Putin

RÚSSIA – JOGOS OLÍMPICOS

- IGNACIO ORTEGA

Para bem ou para mal, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tem a última palavra sobre a presença do seu país nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, seja pela influência no mundo, as más relações com o Ocidente ou pela amizade que tem com o presidente do COI, Thomas Bach. “A posição oficial das autoridade­s russas, do governo e do presidente, de todos nós, é de que no desporto não há e não pode haver lugar para ‘doping’. O desporto deve ser limpo”, disse Putin durante uma reunião do governo.

Putin fez sexta-feira uma última tentativa de evitar a catástrofe que seria a exclusão da equipa olímpica russa do Rio 2016 ao ordenar a criação de uma comissão independen­te para a luta contra o “doping” integrada por especialis­tas russos e estrangeir­os. A sua missão deve ser “o estrito controlo sobre a efectiva realização do plano nacional de luta contra o doping”. Em clara concessão a Bach, escolheu como líderdessa comissão o mais velho membro do COI, o russo Vitaly Smirnov, que integra a máxima organizaçã­o olímpica desde 1971. Putin definiu Smirnov como “pessoa com uma reputação absolutame­nte irrepreens­ível, que conta com a confiança e o respeito da família olímpica”.

Smirnov, de 80 anos, membro de honra do COI desde Janeiro, foi em várias ocasiões vice-presidente deste organismo (nos períodos 1978-82, 1990-94 e 2001-2005). “É necessário cooperar estreitame­nte com a comissão disciplina­r do COI, a Agência Mundial Antidoping e as federações internacio­nais, sejam desportos olímpicos ou não”, frisou Putin.

Após a divulgação segunda-feira do relatório McLaren, que acusou a Rússia de “doping” de Estado, Putin advertiu que o movimento olímpico está à beira de um cisma devido à ingerência política e alertou sobre o regresso à era dos boicotes, como nos Jogos de Moscovo 1980 e Los Angeles 1984. Mas após a decisão doTribunal Arbitral do Desporto, os discursos incendiári­os e as críticas aos EUA não podem ajudar o desporto russo, mas sim as relações pessoais e a própria figura do chefe do Kremlin.

É conhecida a amizade de Putin com Bach, com quem pode conversar em alemão - idioma que conhece dos tempos de agente da KGB na Alemanha Oriental, da mesma forma que ocorria com o ex-presidente da FIFA, Joseph Blatter. Em 2007, Putin conseguiu, com a presença na Guatemala, onde foi eleita a sede dos Jogos de Inverno para 2014, fazer a balança inclinar a favor de Sochi e fez em favor da cidade o maior investimen­to da história de uma edição de Jogos Olímpicos. Além disso, os dirigentes do COI estão em dívida com Putin, que sempre os defendeu das acusações de corrupção feitas pelos EUA e Reino Unido.

Putin encara a participaç­ão nos Jogos do Rio muito seriamente. Sochi foi uma aposta pessoal, dentro do projeto de transforma­r a Rússia numa das cinco maiores potências económicas do planeta. Cinturão preto de judo e praticante de ski de montanha, o líder russo utiliza o desporto como meio de propaganda, como acontecia na União Soviética, e um instrument­o para consolidar a sociedade em torno do Kremlin, além de um meio para devolver o orgulho aos russos.

Em parte, ele desempenho­u bem essa missão, já que, além dos sucessos desportivo­s, a Rússia recebeu, contra as previsões, o direito de sediar a Taça do Mundo de 2018, quando concorria com a Inglaterra e a candidatur­a conjunta de Espanha e Portugal. O problema é que ganhar a todo custo transformo­u-se numa faca de dois gumes, já que alguns atletas levaram esse espírito além da letra e recorreram ao “doping” para recolocare­m a Rússia no lugar mais alto do pódio.

Segundo analistas críticos do Kremlin, Putin é o principal responsáve­l pelo escândalo de “doping” no país, já que, além de incentivar o amor pelo desporto, devia estimular o respeito às regras de jogo e aos valores éticos promovidos pelos Jogos Olímpicos. “Não posso dizer que tudo o que diz é mentira, nem tudo o que diz é verdade”, disse Vitaly Mutko, ministro dos Desportos, sobre o relatório McLaren. Na mesma linha, o presidente da Federação Russa de Atletismo (FRA), Dmitri Shlyakhtin, admitiu ontem o encobrimen­to de exames de “doping”antes aos Jogos de Pequim 2008 e Londres 2012.Putin não pode negar as provas, e em nenhum momento o tentou. Mas agora, com ou sem culpa no escândalo, tem que arregaçar as mangas para tentar fazer com que os atletas russos sem mancha de “doping” possam representa­r o país nos Jogos de Rio.

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