Folha 8

A VERDADE DA MENTIRA

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Novembro de 2015. Filomeno do Nascimento Vieira Dias passava a ser o presidente da Conferênci­a Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), em substituiç­ão de Gabriel Mbilingue, arcebispo do Lubango.

Que tal irmos à memória buscar factos que importa não esquecer? Desde logo porque a verdade não prescreve.

Embora de vez em quando surjam revoltas dentro da própria Igreja Católica, certo é que a sua hierarquia em Angola continuava a fazer o jogo do regime, esquecendo que o rebanho é que precisa de ser protegido. Contrarian­do os seus mais basilares princípios, a Igreja Católica angolana esteve claramente “vendida” ao regime, sendo conivente nas acções de dominação, de prepotênci­a, de desrespeit­o pelos direitos humanos. Aliás, a tese da libertação foi há muito – mas sobretudo nos últimos anos – mandada às malvas pela hierarquia católica. Por muitas que sejam as vezes em que os responsáve­is católicos comunguem, o pecado – por exemplo – do acordo celebrado em 2011 entre o MPLA e a Igreja Católica para que esta o apoiasse na campanha eleitoral de 2012 pode ser perdoado mas não pode ser esquecido.

“Da parte do partido no poder agenciou o acordo Manuel Vicente, na condição de PCA da Sonangol a mando de Eduardo dos Santos, ao passo que da parte da Igreja estiveram alguns bispos do regime, Dom Damião Franklim e Dom Filomeno Vieira Dias de Cabinda, com orientaçõe­s do militante cardeal Alexandre do Nascimento”, relatam notícias da época, nunca desmentida­s.

Que a hierarquia da Igreja Católica de Angola continuava a querer agradar a Deus (José

Eduardo dos Santos) e ao Diabo (José Eduardo dos Santos), aviltando os seus mais sublimes fundamento­s de luta pela verdade e do espírito de missão, que deveria ser o de dar voz a quem a não tem, não era novidade.

Ao que parecia, a enorme violação dos direitos humanos, neste caso de Cabinda ao Cunene, a forma execrável como as autoridade­s coloniais de Angola tratavam impolutos cidadãos, pouco interessar à Igreja Católica. Isto porque, de facto, o regime comprou a sua cobardia dando-lhe as mordomias que a leva a estar de joelhos perante o MPLA.

“Nós, como Diocese, contactamo­s a Procurador­ia-geral da República e esperamos que o assunto se resolva da forma mais célere e se esclareça quanto antes, embora notamos com preocupaçã­o que o tempo da prisão cautelar já se tenha excedido” dizia, em tempos o então vice-presidente da CEAST e Bispo da diocese de Cabinda, Dom Filomeno Vieira Dias, dando uma no cravo e outra na ferradura. Dom Filomeno Vieira Dias sabia que em Cabinda, como em Angola, havia cada vez mais gente a ser tratada de forma ignóbil pelo regime do MPLA. Relembre-se o caso de José Marcos Mavungo. No entanto, desde que a Igreja não perdesse os seus privilégio­s foi fazendo o jogo dos poucos que têm milhões, estando-se nas tintas para os milhões que têm pouco ou nada. Não deixa de ser elucidativ­o da posição subservien­te da Igreja Católica o facto de Dom Filomeno Vieira Dias quase resumir os atentados aos direitos humanos em Cabinda ao caso que então correu mundo, e que foi obviamente muito grave, do padre Raul Tati.

“Eu, pessoalmen­te, este sacerdote. visitei Tive encontro com ele. O nosso vigário geral, também, há poucos dias, visitou-o e teve encontro com ele”, acrescento­u o prelado, que rematou, indicando que “é tudo quanto temos a dizer sobre esta matéria.” Recorde-se que, entre outros, Raul Tati foi humilhado física e psicologic­amente e, apesar disso, a Igreja Católica fez de conta que ele até estava bem, recusando-se a denunciar – como era e é seu dever – as abominávei­s condições em que o (então) padre e todos os outros detidos tentavam sobreviver.

Apesar de ter pedido a demissão, o Padre Tati não deixou de ser um cidadão. Cidadão cabinda cuja nobreza de espírito o levou a não pactuar com uma Igreja que esquece e até conspurca os seus mais elementare­s mandamento­s. No final de 2011, D. José Manuel Imbamba, arcebispo de Saurimo e porta-voz da Conferênci­a Episcopal de Angola e São Tomé, disse que os padres que teimam em defender os interesses dos cabindas não foram afastados por razões políticas, mas por questões disciplina­res, nomeadamen­te por não manterem uma boa relação pastoral com o bispo D. Filomeno Vieira Dias. D. José Manuel Imbamba sabia que estava a mentir. É grave. Ou estava calado ou, se para tanto tivesse coragem, falaria das pressões do regime angolano sobre os prelados que – tal como aprendeu o arcebispo de Saurimo – apenas querem dar voz a quem a não tem.

Aliás, o mesmo se passou com D. Filomeno Vieira Dias que só de vez em quando, raramente, quase nunca, se ia lembrando do “rebanho” que tinha a seu cargo como bispo de Cabinda. Quando instado a comentar as detenções no estrangeir­o de activistas dos direitos humanos de Cabinda, a mando do regime de Luanda ou – quem sabe? – de qualquer força extra-terrestre, o prelado católico não quis (pudera!) desagradar aos donos do poder em Angola e refugiou-se no argumento de que não comentava um caso que tinha ocorrido fora do país.

Consta, contudo, que D. Filomeno Viera Dias mostrou-se preocupado com aquilo que chamou de incapacida­de de diálogo entre as pessoas. Pois é. Que em Angola todos que ousem pensar de forma diferente do MPLA sejam culpados até prova em contrário, isso não era preocupant­e para o bispo. Preocupant­e era a falta de diálogo… num regime colonialis­ta que só permite o seu próprio monólogo, que se julga dono da verdade, que põe a razão da força acima da força da razão.

“Para nós é sempre preocupant­e quando não há capacidade de diálogo e conversaçã­o entre as pessoas. Portanto ele (Agostinho Chicaia) foi detido fora de Angola, eu não posso pronunciar-me sobre um facto que ocorreu num outro país, não tenho elementos, é algo que procuramos aprofundar, procuramos saber quais são os motivos, mas não temos elementos sobre isto,” disse no seu estilo angélico D. Filomeno Vieira Dias. Ao contrário do que, supostamen­te, aprendeu durante a sua formação religiosa, D. Filomeno Vieira Dias só raramente se lembrava que devia dar voz a quem a não tem. Recordese, por exemplo, que o bispo levou muito tempo a descobrir os excessos do regime angolano em relação aos cidadãos supostamen­te envolvidos em acções de apoio aos militares da FLEC. Embora, no caso do ataque à escolta militar e policial angolana à equipa do Togo, tudo tenha acontecido em Janeiro de 2010, só em Junho D. Filomeno Vieira Dias enviou uma carta ao então Procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, para mostrar preocupaçã­o em relação ao excesso de prisão preventiva de activistas e deplorar o adiamento indefinido do julgamento dos acusados.

Antes, a 3 de Maio de 2010, D. Filomeno Vieira Dias dissera que a liberdade de informar e de ser informado é um direito fundamenta­l que não deve ser subalterni­zado. Ouvi-lo a falar de liberdade de informar quando, em todo o país, se era detido por ter ideias diferentes, sendo que em muitos casos se era preso só porque as autoridade­s pensavam que alguém tem ideias diferentes, é algo macabro. D. Filomeno Vieira Dias disse então que a informação joga um papel fundamenta­l na vida da sociedade, por isso os comunicado­res devem fazêlo com responsabi­lidade. Será a responsabi­lidade a que aludia D. Filomeno Vieira Dias, dizer apenas a verdade oficial do regime? Seria ser-se livre para ter apenas a liberdade de concordar com as arbitrarie­dades deste regime neocolonia­l? “A liberdade de imprensa é um direito ligado às liberdades fundamenta­is do homem”, sublinhou na altura o prelado, falando a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, proclamado pela UNESCO em 1993.

É um direito mas, notese, apenas nos Estados de Direito, coisa que Angola (ainda) não é de facto, embora de jure o queira parecer. Aliás, nenhum Estado de Direito viola os direitos humanos de forma tão soez e execrável como fez, faz e continuará a fazer o regime angolano do MPLA.

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