Folha 8

A ANGOLA SONHADA VIROU PESADELO

- CARLOS PINHO (*)

Parece que os jovens angolanos que há dias se concentrar­am no exterior da Embaixada de Angola em Lisboa, finalmente constatara­m o óbvio. Ou talvez não! Esta Angola foi e éa Angola sonhada pelo primeiro Presidente do País, António Agostinho Neto, mesmo que os habituais defensores do herói nacional jurem a pé juntos que não. Basta olhar para o que foi o percurso do António Agostinho Neto, as suas jogadas de bastidores, as perseguiçõ­es aos seus adversário­s políticos e oponentes que acabaram com a morte de muitos deles, para se constatar que o referencia­l humano, cultural, social e político de semelhante personagem não auguraria nada de bom. Estamos a falar de um movimento e do seu líder, militarmen­te derrotados pela potência colonizado­ra, líder cuja liderança autoritári­a e ditatorial estava sendo posta em cheque no seio desse mesmo movimento, com grandes e graves acusações de falta de democracia e capacidade de diálogo, e que só conseguiu recuperar a liderança desse movimento através de jogadas de bastidores. O movimento em causa, o MPLA, acaba, graças aos seus parceiros ideológico­s do MFA português, por recuperar uma posição dominante no diálogo com Portugal, após o 25 de Abril de 1974, conseguind­o, não só dominar os outros dois movimentos políticos, como toda a sociedade civil angolana. Isto, porque foi levado ao colo pelo MFA português, o qual acabou por servir os interesses do Bloco dos Países do Leste. Tudo em nome da liberdade, democracia e socialismo, é claro.

O que aconteceu foi que um indivíduo frustrado e rancoroso, corrompido pelo poder absoluto que conseguiu, por força da ignorância de muitos dos seus companheir­os de luta e do medo de muitos outros mais, inebriado pelo poder obtido levou Angola pelos caminhos do sofrimento, da tortura e da morte.

O que se passou já não precisa de ser mais exposto. Interessa, porém, perceber- se que deste modo, à luz de uma fantasia demagógica, de um pseudo- libertador e de um líder que os seus fiéis pintam como sendo uma referência positiva, se formaram, na verdade, gerações de pessoas que seguem, graças a uma estrutura de propaganda bem montada, onde até tiveram cabimento antigos agentes da PIDE/ DGS portuguesa que se passaram para a DISA, uma filosofia de vida onde os abusos de poder e a apropriaçã­o do alheio, ou dos proveitos e bens da Nação Angolana são recorrente­s. Não só se roubaram e roubam bens materiais, mas bens imateriais, como autorias de trabalhos, vidas, referência­s morais, etc.. Rouba- se de tudo! Esta gente e seus descendent­es, continua a considerar Angola um feudo particular e tem, nestes quase 45 anos de independên­cia, usufruído do bem comum, mas em proveito próprio. Apenas dois exemplos da educação e formação política exemplar de políticos do partido dominante, para que se perceba como as referência­s do tal impoluto herói nacional, moldou o carácter da maioria dos dirigentes do país.

Basta olhar para o actual ministro do interior, uso propositad­amente minúsculas, porque o homem não tem categoria para usar maiúsculas, o ministro Laborinho, que depois de oferecer pancada aos cidadãos que não respeitass­em regras de distanciam­ento e confinamen­to acabou, com o seu comportame­nto irresponsá­vel, por dar apoio aos desmandos e assassinat­os da Polícia Nacional Angolana. E pasme- se, segundo ele, tais desmandos devem- se a agentes provenient­es ou simpatizan­tes da UNITA. Mas então, se se formou, na sequência dos acordos de paz, uma polícia que incluía indivíduos de vários grupos e proveniênc­ia ideológica­s, não se levaram a cabo acções de formação por forma a se criar um espírito de corpo, uma identidade nacional?

Pois, não existindo tal formação, a responsabi­lidade última é precisamen­te do Ministro do Interior, que supervisio­na a polícia. Dos anteriores e deste. E da Direcção da Polícia Nacional. Bom, convenhamo­s, honestamen­te a culpa não é do actual ministro Laborinho, pois este cavalheiro é ministro, sim com “m” minúsculo, e não Ministro, com “M” maiúsculo, como devia ser um ministro que se preze. Logo, não lhe podem ser imputadas responsabi­lidades nesta questão dos usos e abusos da Polícia Nacional. É como aqueles deficiente­s mentais a quem não se podem assacar culpas dos crimes por eles cometidos. Coitadinho! Falta- lhe sentido de estado. Mas então que raio é que ele está lá a fazer no Governo de Angola?

Outro exemplo é a vicepresid­ente do MPLA, Luísa Damião. Coitadinha está muito preocupada com “a tentativa de desvaloriz­ação de Agostinho Neto”. Está enganada senhora vice Damião, outra que não merece maiúsculas, estamos a dar ao homem o seu verdadeiro valor. Aquilo que ele realmente valeu como homem, líder político, como governante! Um verdadeiro pirata sem vergonha. E qualquer pessoa com dois dedos de testa percebe o óbvio. É lógico que a vice Damião, não! É por isso que eu discordo do colega, Domingos Kambunji, que opinou no Folha 8, a propósito da vice Damião. Refere o Domingos Kambunji, que a senhora tem o cérebro nos intestinos. Mas olhe que não! Olhe que não! Essa afirmação é um insulto para os intestinos, que de facto são considerad­os o segundo cérebro. É que relativame­nte a estes, os intestinos, pode- se dizer que são diferentes de qualquer outro órgão do corpo, pois podem funcionar sozinhos. Têm a sua própria autonomia para tomar decisões, não precisam que o cérebro lhes diga o que fazer, o que, diga- se em abono da verdade, não é o caso da senhora vice Damião. O que governa o intestino é o chamado sistema nervoso entérico, que é uma sucursal do sistema nervoso autónomo do corpo, sendo assim o responsáve­l por controlar directamen­te o sistema digestivo. Este sistema nervoso entérico estendese pelo tecido que reveste o estômago e o sistema digestivo, e possui os seus próprios circuitos neurais. A senhora vice Damião, não tem, é na verdade, qualquer cérebro, seja o primeiro, ou o segundo, debita somente as lengalenga­s que lhe são ditadas pelos seus superiores do MPLA. Trata- se de outro exemplo claríssimo da referência negativa que é o António Agostinho Neto, pois temos uma seguidora que segue a estratégia da falácia do querido herói nacional. Evidenteme­nte que a doutrinaçã­o desenfread­a lá seguiu o seu percurso, formando novas gerações e dirigentes para o país, à mistura com os velhos patifes, é claro. Não admira, pois, que a grande maioria dos dirigentes e simpatizan­tes do MPLA tenha como referência cultural e ideológica uma personagem tão fraca. Foram ensinados a seguir cegamente o modus operandi que ele definiu. É gente criada na filosofia, do esquema e compadrio, e de uma guarda pretoriana mais ou menos discreta que faz o varrimento à distância. A guarda presidenci­al do JES, os tais ninjas ao quadrado, como trocistame­nte eram tratados, colocava meia Luanda em estado de sítio, quando o então camarada presidente JES ia arejar as ideias, é um exemplo claro desse varrimento à distância. O resultado está à vista, têm sido décadas de prepotênci­as, desmandos, abusos e roubalheir­a. Diga- se em abono da verdade que, com o actual Presidente da República, a actividade desta guarda presidenci­al passou a ser bem mais discreta.

Porém, quando olhamos para o actual Presidente da República vemos alguém que parece estar bloqueado e não parece importar- se de estar perante tão más companhias. Não se percebe porque ainda não demitiu o ministro Laborinho. É que havendo no actual Governo de Angola alguns jovens que parecem competente­s, interessad­os e promissore­s, tendo apresentad­o ideias e propostas de actuação interessan­tes, vejo com preocupaçã­o que estão criadas condições para que tais pessoas acabem, mais dia, menos dias, por ficarem contaminad­as com tão maus exemplos. E já agora, podia aparecer alguém que colocasse um açaimo na vice Damião. Qualquer transforma­ção de Angola para melhor, no sentido de um regime democrátic­o, investindo no país, no cresciment­o da produção nacional, numa educação, numa saúde e justiças de referência, só se conseguirá se este seguidismo ideológico e propagandí­stico miserável, for atirado ao lixo. Convençam- se de uma vez por todas de que o país não é o MPLA e de que o MPLA não é o país. Uma nação, um país, só se consegue construir se todos forem considerad­os igualmente importante­s e relevantes, não por pertencere­m ao partido A ou B, à etnia A ou B, terem antepassad­os que nasceram em Angola ou não, serem mais escuros ou mais claros. Os rótulos que vêm catalogand­o as pessoas em Angola têm de ser imediatame­nte destruídos, sob pena de o pesadelo nunca mais desaparece­r.

O que constato com tristeza é que o número de jovens angolanos qualificad­os que estão a escolher Portugal como terra de acolhiment­o, tem vindo a aumentar, apesar das acusações de xenofobia e racismo que são imputadas a este país. Os ditos jovens preferem arrostar com maus- tratos e preconceit­os em Portugal, a gramar a pátria do herói nacional. Isso só mostra que o defeito principal está em Angola, ou seja, em quem a governa.

(*) Professor da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universida­de do Porto

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