PARA ASSEMBLEIA NACIONAL. 55 MILHÕES É (MUITO) POUCO
Assembleia Nacional considera que este orçamento “é insuficiente para atender às reais necessidades” e pede “medidas restritivas” para assegurar o cumprimento dos encargos decorrentes das suas actividades
AAssembleia Nacional de Angola aprovou para o seu funcionamento em 2020 um orçamento de aproximadamente 58 milhões de euros, mas apela à contenção nas despesas por reconhecer que a verba é “insuficiente” para as necessidades reais.
De acordo com uma resolução publicada em 30 de Março no Diário da República de Angola, dos cerca de 34 mil milhões de kwanzas ( 58 milhões de euros), 32 mil milhões ( 55 milhões de euros) destinam- se à Assembleia Nacional, 1,6 mil milhões à Provedoria de Justiça ( 2,8 milhões de euros) e 713 milhões ( 1,2 milhões de euros) à Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana.
No entanto, a Assembleia Nacional considera que este orçamento “é insuficiente para atender às reais necessidades” e pede “medidas restritivas” para assegurar o cumprimento dos encargos decorrentes das suas actividades.
Recomenda ainda que se envidem “esforços no sentido de se pagar as dívidas”, sobretudo as que dizem respeito à assistência médica e que se reforce o controlo dos encargos de manutenção das viaturas e do edifício do Parlamento. A resolução sugere, por outro lado, que se adoptem mecanismos para alavancar as receitas próprias para “minimizar os constrangimentos na execução da despesa”.
Na assembleia angolana têm assento 220 deputados, distribuídos pelos grupos parlamentares do MPLA, com 150 deputados, que apoia o Governo, e da UNITA, CASA-CE, PRS e FNLA.
Há um ano (Fevereiro de 2019) a Assembleia Nacional aprovou a fixação de um salário -base equivalente a 1.530 euros para os seus deputados, acrescido de vários subsídios, para lhes “conferir maior dignidade remuneratória” face à inflação verificada no país. Nem mais. Eles são também o espelho de um país que só tem 20 milhões de pobres.
“A actual conjuntura económico- financeira caracterizada por níveis elevados de inflação e de perda do poder de compra” ( presume- se que seja um problema geral) levou a que a Assembleia Nacional aprovasse a resolução n. º 6/ 19, de 19 de Fevereiro. Os 220 deputados que integram o Parlamento passaram a receber um salário- base mensal de 547.311 kwanzas ( 1.530 euros – câmbio da altura), a que se somaram vários subsídios e compensações para “assegurar um eficaz exercício do seu mandato enquanto legítimos representantes do povo”. Presume- se ( nada mais do que isso) que os nossos 20 milhões de pobres façam parte do povo.
Além de subsídios anuais fixos, como o subsídio de férias e o do “décimo terceiro mês”, de valor igual ao salário mensal, a resolução do Parlamento contemplava subsídios mensais como um subsídio de Renda de Casa ( mais 50% do salário), um subsídio de Pessoal Doméstico ( mais 90% do salário) e um subsídio de Comunicação ( mais 40% do salário), assim como uma componente para as Despesas de Representação, no valor de 50% do salário fixo. O Presidente da Assembleia Nacional passou a ter o seu salário fixado em 608.123 kwanzas ( cerca de 1.700 euros), ao qual foi acrescentado uma componente correspondente a 80% deste valor para Despesas de Representação. A este valor acresceram ainda as mensalidades de um subsídio de Pessoal Doméstico de valor igual ao seu salário e um subsídio de Comunicação de 90%. O Presidente da Assembleia Nacional, cargo ocupado por Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” ( MPLA), recebeu ainda, anualmente, subsídio de férias e um “décimo terceiro mês”, com o mesmo valor do seu salário. Além destes índices, os deputados receberam subsídios consoante as posições extraordinárias que ocupem no Parlamento.
Vice- presidentes da Assembleia Nacional, membros de comissões permanentes, presidentes de comissões parlamentares, presidentes de comissões de trabalho especializadas e presidentes de grupos parlamentares receberam mais 35% do valor do salário base.
Um subsídio de 25% foi adicionado aos salários de secretários de mesa da Assembleia Nacional, a presidentes do grupo de mulheres parlamentares, vice- presidentes de grupos parlamentares, vice- presidentes de comissões de trabalho especializadas e a membros de conselhos de administração. Secretários de grupos parlamentares, secretários de comissões de trabalho especializadas e coordenadores de subcomissões de trabalho especializadas receberam mais 20% do seu salário.
Recorde- se que, segundo pelo secretário- geral da Assembleia Nacional, Agostinho Pedro de Neri, revelada no dia 18 de Janeiro de 2018, a Assembleia Nacional atribuiu viaturas oficiais de apoio aos deputados que ainda não possuíam carros, numa primeira fase, que não deveriam “fugir muito da fidelização da marca da instituição”. Claro. Eles necessitam e a crise está limitada apenas a… 20 milhões de angolanos.
Segundo o responsável, a Assembleia Nacional estava então a negociar com o Ministério das Finanças como conseguir recursos que permitam proceder à aquisição das viaturas dentro de alguns… dias. Os hospitais, por exemplo, não tinham e não têm os mais elementares materiais de uso corrente, mas prioridades são prioridades. Agostinho Pedro de Neri avançou na altura que a entrega iria abranger todos os deputados, tendo em conta que têm “o direito, na base do estatuto remuneratório, a um meio oficial”, mas face à conjuntura actual de crise financeira, este acto seria feito de forma… faseada. Os nossos poucos pobres ( os tais… 20 milhões) também gostavam de ter comida de forma faseada. Nem que fosse apenas uma só refeição por dia. Mas terão de esperar. Prioridades são prioridades.
O analista que segue Angola na Moody`s estima que a dívida pública deve aumentar para cerca de 110% do Produto Interno Bruto e que o país deverá sofrer uma recessão de 0,9% este ano. Provavelmente a solução não passa por João Lourenço pedir (ainda mais) ajuda ao Povo nem por fundir ministérios. Mas, isso sim, por o Presidente entender que o MPLA não é uma solução para o problema. Sendo antes um (enorme) problema para a solução.
“Prevemos que a dívida pública de Angola aumente ainda mais este ano para perto de 110% do PIB”, disse Aurelien Mali em entrevista à Lusa, na qual alertou que este rácio pode ser revisto no final da avaliação que a Moody` s está a fazer ao país.
A agência de notação financeira Moody` s anunciou já que se prepara para rever em baixa o ` rating` de Angola devido à magnitude do choque dos preços do petróleo e à deterioração das condições financeiras do país. Por outras palavras, deve- se à manifesta incompetência do governo liderado por João Lourenço. Questionado sobre a actualização das previsões macroeconómicas para o país, Aurelien Mali respondeu que a Moody` s, para além de prever uma dívida pública perto de 110% este ano, estima também que a economia continue com um crescimento negativo. “Para este ano prevemos uma recessão de 0,9%, face ao crescimento negativo de 1,2% registado em 2019”, disse o analista, confirmando assim que Angola deverá continuar em recessão pelo quinto ano consecutivo, mas mais suave que a previsão da ministra das Finanças angolana, que aponta para um crescimento negativo um pouco acima de 1%.
O aumento da dívida pública nos países africanos produtores de petróleo, em particular, e um pouco por todo o continente, de uma forma geral, tem merecido várias análises das instituições financeiras internacionais, com o Fundo Monetário Internacional a assumir diversas vezes que o rácio, que em média ultrapassa os 50% do PIB, apresenta uma trajectória preocupante.
Para Aurelien Mali, as propostas apresentadas quer pelos ministros das Finanças africanos durante as reuniões da Comissão Económica das Nações Unidas para África, quer pelo próprio FMI e pelo Banco Mundial, não são ainda claras sobre qual o montante nem qual a abrangência do perdão de dívida que é proposto.
Certo, sublinhou, é que “Angola já não é elegível [ para receber apoio] ao abrigo da Associação para o Desenvolvimento Internacional”, o braço do Banco Mundial para canalizar ajuda para os países mais pobres, já que está num patamar médio relativamente aos rendimentos dos cidadãos.
Num comentário publicado esta semana, ainda antes de os ministros das Finanças africanos alargarem o pedido de perdão de juros da dívida deste ano para a totalidade dos pagamentos da dívida nos próximos três anos, a Moody ´ s alertava que “não é claro se o alívio da dívida oficial vai ser condicionada à participação dos credores do sector privado nalguns ou em todos os casos, ou se a pressão vai ser colocada nos devedores ou nos credores do sector privado que aceitem participar”. Nesse comentário, a Moody` s escrevia ainda que muitos países da África Subsaariana usam menos as instituições financeiras multilaterais e recorrem mais a instrumentos como a emissão de dívida soberana nos mercados financeiros. “Os países emergentes, principalmente na África Subsaariana e na Ásia, mudaram o foco das emissões para dívida não concessionada, usando instrumentos baseados no mercado nos últimos anos, o que complica o processo de aliviar eficazmente a dívida usando os canais oficiais”, isto é, os países.
Certo é que, independentemente dos contornos do modelo, “um aumento do risco de atrasos nos pagamentos da dívida ou do serviço da dívida constitui um Incumprimento Financeiro (“default”) de acordo com a nossa definição”.
Há muito tempo que o Governo do MPLA ( afinal o único no Poder desde 1975) foi aconselhado a “endividar- se de forma sensata” sob perigo de entrar em situação de incumprimento financeiro devido ao que melhor sabe fazer – endividar- se.
O pagamento da dívida já é a maior rubrica de despesa em Angola e o país tem de equilibrar a sua necessidade de investimento com o endividamento sensato, se quiser evitar uma situação de default.
Sobre a relação entre a China e Angola, recorde- se o pacote de financiamento de 11 mil milhões de dólares, acordado entre as autoridades dos dois países no Fórum de Cooperação China- África ( FOCAC), que decorreu em Pequim, e no qual o Presidente de Angola, João Lourenço, participou pessoalmente. Esse pacote de crédito da China é significativo; no entanto, apesar de ter ajudado a desbloquear financiamento para pagar os tão necessários investimentos, também aumentou o fardo da dívida nacional, tendo aliás coincidido com a ajuda de 4,5 mil milhões de dólares do Fundo Monetário Internacional. Em Dezembro de 2017 Angola devia à China mais de 21 mil milhões de dólares, dos quais 5,2 mil milhões de dólares ao Banco de Importações e Exportações da China, e o restante a bancos públicos.
Esta metodologia errante é criticável principalmente em relação à importação de materiais e mão- de- obra chineses, que faz pouco pela criação de empregos locais e pelo desenvolvimento do sector nacional da indústria.
O Presidente João Lourenço agradeceu, em Pequim, ao homólogo chinês, Xi Jinping, a ajuda ao processo de reconstrução nacional em Angola, país devastado por um tsunami de incompetência governativa, ladroagem e corrupção ( entre muitos outros crimes) com a chancela do MPLA. João Lourenço reafirma que Angola encontrou na China um parceiro que está a ajudar a construir o país e que foi o país asiático “quem estendeu a mão na fase de reconstrução nacional”. É claro que, sobretudo numa altura em que se está de mãos estendidas, não é tempo de João Lourenço pensar na factura e nos custos dessa ajuda, grande parte dela dispensável se o partido que governa Angola desde 1975 não fosse corrupto e em vez de trabalhar para os poucos que têm milhões fizesse alguma coisa útil para os milhões que têm pouco ou… nada.