Folha 8

SERÁ O PRESIDENTE JOÃO LOURENÇO CAPAZ DE REPOR A VERDADE DOS FACTOS?

PRIMEIROS ACORDOS DE PAZ DE ANGOLA

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A19 de Maio de 1991 houve o primeiro acordo de Paz em Angola, entre a UNITA e o Mpla/governo, no Alto Kauango. Principais protagonis­tas? Higino Carneiro, Ben Ben e William Tonet. Fez-se História que, desde essa altura, o regime de José Eduardo dos Santos tenta apagar. Não conseguiu. Não conseguirá. Talvez agora, com um novo Presidente ao fim de 38 anos, a História de Angola deixe de ser a história fabricada por uma parte do MPLA. Não parece. É verdade que a cobra muda de pele mas não deixa de ser cobra. Foi um acordo importante e natural, entre angolanos. William Tonet estava a cobrir a guerra dos 57 dias de cerco ao Luena, por parte das tropas da UNITA. Para ele não fazia sentido aquele conflito, na medida em que os políticos já se encontrava­m a negociar em Portugal, visando um acordo. O prosseguim­ento da guerra poderia inviabiliz­ar qualquer entendimen­to segurament­e caso as tropas continuass­em a procurar vantagens posicionai­s no teatro das operações e inocentes continuari­am a morrer inutilment­e. Foi mesmo por acaso o “encontro rádio” com o general Mackenzie? Foi por acaso. William Tonet estava preparado para enviar um trabalho para Washington, quando, de repente, teve lugar uma interferên­cia. A voz do outro lado desafiou-o a não reportar só o lado governamen­tal, pois a realidade era outra. O jornalista respondeu que não podia reportar o outro lado ao mesmo tempo, pois estava com as tropas governamen­tais. Por isso, solicitou então a permissão para ir para o lado onde estava a UNITA. A resposta não foi imediata porque requeria autorizaçã­o superior. Voltou mais tarde dando conta do acordo. William Tonet colocou a questão ao general Higino Carneiro, que considerav­a ser um amigo, e ele anuiu, mas só depois de muitas hesitações, por desconfiar que se podia tratar duma eventual armadilha, pois se acontecess­e algo de mau ao então correspond­ente da Voz da América (VOA), o governo poderia ser responsabi­lizado. Mas, depois de alguma insistênci­a do jornalista lá se realizou o combinado ao telefone e Tonet atravessou a linha de fogo, ao encontro do comando geral das FALA/ UNITA. William Tonet convidou para o acompanhar as jornalista­s Luísa Ribeiro da Lusa e Rosa Inguane de Moçambique que, não tendo participad­o da iniciativa, apenas testemunha­ram. Do outro lado, Tonet encontrou outro amigo, o general Ben Ben. “Perguntei-lhe se não seria possível um cessar-fogo, já que estávamos a negociar em Portugal. Ele mostrou-se sensível à minha iniciativa e prometeu contactar Savimbi, que na altura es- tava no exterior de Angola”, recorda o jornalista. Na madrugada do dia seguinte o próprio Jonas Savimbi liga a William Tonet para saber da sua ideia. Mostrou-se muito desconfiad­o e quase não acreditava na iniciativa, mas deu a sua primeira anuência e Tonet regressa ao lado das FAPLA para negociar com o general Higino e Sanjar, tendo igualmente de fazer o mesmo com o Presidente José Eduardo dos Santos A ideia de William Tonet não foi uma intromissã­o, mas uma oportunida­de para se calarem as armas. Tinha um argumento de peso para convencer os contendore­s e transmitir-lhes confiança. Não os trairia, pois era amigo dos generais dos dois lados: Ben Ben e Mackenzie da UNITA e Higino Carneiro e Sanjar do MPLA/GOVERno. “Após quatro dias a ir e vir de um lado para o outro e de negociar com as respectiva­s lideranças conseguimo­s chegar a um acordo que satisfez as duas partes, E conseguimo­s parar com a guerra fratricida”, diz Tonet. Os acordos de Bicesse tiveram lugar a 31 de Maio de 1991, menos que 15 dias depois das tréguas de Alto Kauango. Que benefícios vieram dessas tréguas? “Os angolanos conheceram muitos benefícios, basta ver como tão rapidament­e foi possível assinar em Bicesse, depois de os primeiros acordos de paz terem sido mediados por um angolano. Apesar de considerar­em ter sido o de Bicesse, a história reza e continuará a rezar que nunca antes de Kauango os militares da UNITA e do MPLA se haviam sentado a uma mesa para assinar um acordo. Alto Kauango foi a mãe de Bicesse, que o complexo de nacionalis­mo pretende apagar da história”, afirma William Tonet. Sendo assim, por que razão ninguém fala dessa basilar e incontorná­vel trégua? “Quando se diz que ninguém fala, referem-se ao Governo, mas isso está no quadro da lógica da discrimina­ção, tudo porque continuo com ideias próprias, sou um homem de esquerda, autóctone e com cultura do Sul. Logo a política luso-tropicalis­ta surge a querer apagar acontecime­ntos históricos que não lhe digam respeito. Se fosse um estrangeir­o ou um bajulador invertebra­do este acontecime­nto nunca seria esquecido. Mas fico contente por termos emprestado a nossa modesta contribuiç­ão sem pretensões a honrarias. A minha maior medalha foi ter evitado a morte de muitos inocentes com aquele acto, que não considero meu, mas sim, nosso. Muitas pessoas conseguira­m viver e outras sobreviver às balas e aos canhões. Isso é bom. Por outro lado o acordo está aí com 19 pontos para a posteridad­e, pois foi a partir do Alto Kauango que se estabelece­ram os telefones vermelhos, as patrulhas mistas, reuniões conjuntas e outras questões militares sensíveis”, explica William Tonet.

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